Num dia como hoje, em que o mês de fevereiro já vai se despedindo da plateia para a entrada de março com suas águas que fecham o verão que fui visitar o risonho seu Isaque e a prestimosa dona Débora.
Era um casal já idoso, cujos filhos tinham ido estudar e acabaram escolhendo morar em terra estrangeira. Para lembrar deles, bebiam pelas manhãs, antes do Sol nascer, um leite bem quente adoçado com o melhor mel do Vale.
É… Eles produziam mel… Não eles, lógico! Criavam abelhas, e delas extraíam o mais puro e cheiroso visco dourado de toda região… Diziam que a voz de dona Débora era tão bonita por causa dele…
Ao cair da tarde, depois da lida diária, ele tocava uma clarineta que herdara de seu avô, e ela cantava… Era um pássaro! Um bem-te-vi com aquele coletinho amarelo que canta, feliz, ao anunciar a boa água que cai do céu.
Seu Isaque era um piadista gozador: adorava os causos da roça. Contava um atrás do outro, e, às vezes, dona Débora ralhava em tom de brincadeira. Uma das preferidas dele era falar dos filhos que trocaram a paz, a água e a fartura por um deserto de segurança e riqueza. Era um jeito carinhoso de mostrar toda as suas saudades e todo o seu gosto pelo caminho que eles escolheram.
“Fio é prá voá!”, falava ele, e ria…
De repente, apitou o celular. Era o alarme, contando que dona Débora já podia retirar os biscoitinhos bem perfumados do forno. “Saíram as orelhas de H…”, nessa hora ela foi interrompida por uma revoada de maritacas que, fazendo aquela algazarra, tinha pousado na árvore em frente.
“Vem ver meus canarinho verde! Eles sempre vêm essa hora pra cumê e durmi. Eu ponho aguinha, deixo tudo certinho pra eles! Quando eles se recolhe, já falo pro véio que é nossa hora também… Mas eu ia falando da orelhas de H…”
PAAPAA! PRAAA! RECO! TEC!
“Corre aqui gente!”, interrompeu, mais uma vez, seu Isaque! “Achei a matraca que me pai fez pra mim! Procurei em tudo quanto é canto! Que nó nos gargomilo…” chorava o idoso roceiro.
“Fica assim não, véio! Vem pra mesa. Nóis vamo cumê uns biscoitinho e tumá leite com mel… Vem conversá com as visita qu´ocê miora!”
Já na mesa, sentado e mais calmo, ele começou a contar a história da matraca, dos biscoitos, do leite e do mel…
“Os antigo contava que tudo aqui era uma fazenda só! Aqui, nessas roça, o povo era tudo colono… O dono, fazendeiro, era bom. Mas tinha um padre que morava com ele que era ruim que só o tinhoso!
Esse padre chamava H…”
RRÁ! RRÁ! RRÁ! A festa das maritacas, mais uma vez, impediu seu Isaque de prosseguir… Depois, tudo acalmado, ele continuou.
“Então… Nessas roça vivia um estrangeiro véio que chamava Mordechai. Que nome! Coisa de gente de fora… Nem é brasileiro isso… Ele era tipo o sábio daqui da colônia: sabia tudo! Tempo das chuva, da seca, da plantação, da criação… Tudo!
Ele tinha uma neta muito formosa, a Esther! Os home tudo da aldeia queria casá cum ela! Dizem que até aquele padreco de festa junina quiria… Foi pur isso que ele armô tudo…
Convenceu o fazendeiro de que ele tinha de plantá só café. Toda gente ia sê tocada daqui… Tudo ia sê cafezá! Falô que mió que isso, só Jesus Cristo! E todo mundo? Ia fazê o que? De certo, morrê!
Diacho de padre!
Mas acontece que o fazendeiro, um dia, resolveu passeá de cavalo, e avistô a Ester na bera do córgo lavando roupa. Apaxonô!
Mordechai viu isso tudo e começô a matutá um plano! Juntô todo mundo e foi dividindo as lida! Deu tudo do bom e do mió pra cada um. Um colono ia plantá fruta e a muié ia fazê compota! O outro, verdura. Mais um, beterraba e a muié ia fazê a mió sopa!
Ele escolheu criá abelha. Ia fazê mel! É que o mais gostoso é o mel feito com abelha livre pra cumê o que quisé!
Logo, essas banda viraram uma festa danada! Tudo daqui era bom, o mió!
Mas o plano ainda tava pela metade! Mordechai aproveitou uma ida do padre pra paróquia central e ajeitou o casamento dela com o fazendeiro. Aos poucos, ela convenceu ele a deixá o café de lado e aproveitá mió nossos produto…
Quando o padreco voltô, nada mais tinha a fazê! Pediu pra ir pra Capitá!
É por isso que esses biscoito chamam orelha de H…”
MÉ! GRÉ! PPRR!, se alarmaram os bichos da roça… Devem ter visto um Saci!
“É pra gente cumê contando essa história. Assim aquele dito cujo ouve bem, sempre, e vê se aprende que o povo unido vale mais do que qualqué saca de café! É por isso que meu pai me fez aquela matraca! Pra eu fazer muito barulho e espantar aquele nome maldito daqui…
H…”
TRRR! TRRRR!, os trovões anunciavam que o toró se aproximava!
“Mas hoje… Hoje… Nem da minha matraca precisei! O mundo já falô!”
André Naves
Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural.
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Read MoreOlá Amigos,
Nem sei como começar essa mensagem… Nosso coração, assim como o de vocês, está dilacerado. A dor é enorme. A incerteza grita. As lágrimas descem como o sangue de nossos mártires foi desperdiçado…
Nossa alma também se padece com os flagelos do terror. Comemos o mesmo pão, esverdeado de tanto mofo, que vocês. As teias que nos unem, ainda que distantes no espaço e até no tempo, estão mais fortes que nunca!
Somos parte de uma mesma família! SOMOS IRMÃOS!
Acredito que seja melhor saudá-los novamente: “Olá Irmãos!”. A verdade é que estamos aqui, mas nosso pensamento está aí. Muito mais que isso! Nosso sentimento, nosso coração, nossa alma, nosso amor e solidariedade!
De tão diferentes, temos a certeza absoluta de que nossas falhas se completam nas qualidades de vocês, assim como seus pontos fracos, em nossos fortes! Somos parte de um mesmo quebra-cabeças humano: nossa força, nossa beleza, está na união.
Estamos aqui!
SOMOS AQUI!
Vamos, todos, usar esse sentimento de lamentação reflexiva, extremamente válido e fundamental, do luto, em adubo para que possamos colher as belas flores da inclusão e da Justiça!
Nosso luto é nossa luta!
E que luta é essa se não a da Alteridade? Perceber, com nossa alma, a valiosa diversidade: nenhum de nós é tão bom quanto todos nós em união.
Nos encantarmos com a pluralidade humana e saber que sempre que cairmos nos buracos da miséria e da necessidade, um irmão nosso pulará, não para nos resgatar, mas para nos inspirar a sair de lá. E ele se alterará profundamente nesse caminho!
Cantamos, unidos ao salmista, os prazeres e delícias da união entre irmãos. O perfume da nossa solidariedade vai aniquilar o fedor do terror, da injustiça e do medo!
Recentemente, uma maravilhosa professora e amiga refletia sobre os mistérios da palavra “Shalom” (paz). Ela, no alfabeto hebraico, tem a grafia similar a “Shalem” (completude).
Ou seja, para termos PAZ (“Shalom”) precisamos estar completos (“Shalem”). E como podemos experimentar a completude se não plantando sementes que farão nascer a proveitosa colheita da Inclusão?
Para “Shalom”, é preciso estar “Shalem”: é preciso lutar por um mundo “LeCulam” (para todos).
Com Amor,
André Naves.:
ANDRÉ NAVES
Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social e Economia Política.
Defensor Público Federal. Escritor e Professor.
Colunista do “Esh Tá na Mídia”, além de diversos outros órgãos de comunicação.
Conselheiro do Chaverim, grupo de assistência às pessoas com Deficiência Intelectual, além de diversas instituições voltadas à Inclusão Social.
Membro do LeCulam, da FISESP (Grupo de Inclusão das Pessoas com Deficiência da Federação Israelita de São Paulo).
Embaixador do Instituto FEFIG, para a promoção da Educação.
Membro do LIDE – Inclusão.
Comendador Cultural.
Autor do livro “Caminho – A Beleza é Enxergar”.
www.andrenaves.com
Instagram: @andrenaves.def
Olá, Amigos,
Acredito que vocês já me conheçam, mas, por desencargo de consciência, torno a me apresentar: meu nome é André Naves. Sou Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e mestre em Economia Política. Também sou Comendador Cultural, escritor, professor.
Acredito na Cultura, na Educação e na Proteção Social como ferramentas essenciais à Emancipação Individual e Coletiva. Assim, sou Conselheiro do Chaverim, grupo de assistência às pessoas com Deficiência intelectual e psicossocial, além de diversas outras organizações voltadas à Inclusão Social.
Read MoreTenho várias memórias infantis. Uma das que sempre lembro era de correr na banca de jornais para comprar os gibis da Turma da Mônica. E nas férias, então? Eu lembro de esperar ansiosamente pelo “Almanacão de Férias da Turma da Mônica”, com muito mais historinhas e diversas atividades para o tempo de descanso. Até hoje, sempre que abro o Estadão ou o Globo, corro até a parte dos quadrinhos, para ler as novas aventuras da turma…
Read MoreBadalavam 20 horas quando a Orquestra do Theatro São Pedro, sob regência do maestro Neil Thomson, iniciou a Temporada 2018, com o Prelúdio da Ópera O Franco-Atirador, de Carl Maria von Weber. Os primeiros 15 segundos da apresentação foram metaforicamente perfeitos: o nervosismo, daqueles sob a mira de um franco-atirador determinado a cortar ainda mais o orçamento do corpo artístico, foi refletido na musicalidade trepidante.
LEIA MAISEscorria o tempo por entre minha vida. A maturidade golpeava as portas de meu corpo, conquistando todos os esquecidos recônditos de minha alma, assim como a inexorável e violenta tempestade de areia, num deserto árido e solitário, impondo-se como Vândalo descontrolado, de quem não se pode fugir: dos galopes sucessivos no momento não se esconde!
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