Category Archive : Opinião

Sarney, o herói da Democracia!

24 de abril de 1987: a festa do meu aniversário começava com o tema dos Smurfs. Era o meu aniversário de 6 anos.

Lembro-me de ser perguntado sobre qual eu gostaria que fosse o tema da festa. Respondi de pronto: quero uma festa do Sarney! Eu já me imaginava de terninho, cabelos bem penteados com gel, bigodinho falso e faixa presidencial de papel crepom verde e amarela. Imaginem só eu recebendo os convidados falando, com sotaque maranhense “Brasileeeiros e brasileeeiras”?

Meus pais já conheciam das minhas excentricidades… Nunca tive festa de Sarney nenhum. Pelo contrário. Foi dos Smurfs, e eu que ficasse feliz. Ainda bem que eu adorava o papai Smurf!

O mesmo dia 24 de abril de 1987, eu nem imaginava, era a data do aniversário do meu ídolo, José Sarney. Na época, sua popularidade já estava arranhada pelos desdobramentos político-sociais do Plano Cruzado, mas eu não tinha nem ideia disso.

Na verdade, pra mim, ele era o Sarney, presidente da República, de liderança, habilidade e cultura invejáveis. Fora o meu pai, era o homem mais inteligente do Brasil, pensava eu. Só podia ser! A gente não escolhe qualquer um para ser Presidente, imaginava eu na minha inocência infantil…

Fui crescendo, estudando, e percebendo que minha admiração era uma intuição da realidade. Na verdade, a importância do Sarney foi muito maior do que eu poderia imaginar. Àquela altura, na faculdade, ele era um tipo de Geni: parecia que tudo de errado que dava no Brasil vinha dele. Quando perguntavam quem tinha sido o melhor presidente do Brasil eu, envergonhado e com medo das críticas, preferia silenciar.

FHC ou Lula? A turma, na época só costumava se dividir entre esses dois. Eu tinha um amigo, verdade seja dita, que contra tudo e todos, defendia o Collor. Como ele também falava bem da Erundina, ninguém nunca levava ele muito a sério… Passado um tempo, parecia que a escolha de quem teria sido o melhor havia se sedimentado em três opções, FHC, Lula e Temer… Um tempinho depois, um bando de aloprados tentou me convencer até do Bolsonaro!

Curioso, perguntava eu para meus botões, é que ninguém fala do Sarney… Nelson Rodrigues e o eterno complexo de vira-latas do brasileiro talvez expliquem… Talvez a traumática morte de Tancredo Neves, que gerou uma ilusão idealista que contrastava com a realidade pragmática do governo, deixou uma sombra indelével sobre o Sarney…

Com a morte de Tancredo, as cadelas no cio do autoritarismo, fizeram de tudo para impedir a redemocratização brasileira. Se essas cadelas continuavam no cio por volta de 2020, imaginem só como estavam em 1985? Esses setores sociais, sempre de alguma forma privilegiados, queriam obstaculizar diversas conquistas sociais que viriam no bojo da Constituição Democrática de 1988. Queriam manter grandes parcelas populares presas nas masmorras da miséria.

Conquistas, como a promoção dos Direitos Humanos, a Inclusão Social, os direitos e garantias ao povo trabalhador e as diversas expressões da Proteção Social, que vinham sendo construídas politicamente (e continuam sendo nos dias de hoje) corriam riscos imensos de serem novamente bloqueadas. Vale lembrar que por Democracia entende-se a vontade da maioria, que respeita a dignidade dos grupos minorizados, sempre buscando a concretização ampliadora dos Direitos Humanos.

Ou seja, Democracia não é somente o direito de votar e ser votado. Ela é muito mais que isso: diz respeito à própria viabilidade social, individual e coletiva! Por isso que tentativas de golpe ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito não podem ser anistiadas: é que elas têm por objetivo excluir parcelas significativas da população, e aprisioná-las com os grilhões da carestia e da iniquidade.

Naquele clima de barata voa da morte do Tancredo, o presidente Sarney não se acovardou! Garantiu e matou no peito qualquer tentativa de retrocesso autoritário. Garantiu a redemocratização, garantiu os Direitos Humanos, garantiu a possibilidade de Inclusão Social. Foi ele que, com faro e pragmatismo político, conseguiu forjar um arco de alianças capaz de isolar os setores sociais mais autoritários e de assegurar o processo de redemocratização brasileira.

Acredito que, para muitos, foi muito aquém do ideal. Mas eu penso que a Inclusão Social e os Direitos Humanos são construções coletivas, feitas no dia-a-dia, por todos nós. Nesse sentido, o Presidente Sarney soube navegar os revoltos mares políticos para conquistar, não uma perfeição ideal, mas uma possibilidade real que possa ser, diariamente, trabalhada, ampliada e melhorada por todos nós!

Eu não sei se algum dia o Presidente Sarney vai chegar a ler, ou ter conhecimento, desse texto. Entretanto, eu adoraria agradecê-lo efusivamente por ter sido, e continuar sendo, um grande herói, e artífice, da Democracia brasileira.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

www.andrenaves.com 

Instagram: @andrenaves.def

Papa Francisco – O Serviço pela Escuta

Desde o início de seu pontificado, Papa Francisco apresentou ao mundo uma nova forma de liderança espiritual: humilde, próxima, profundamente humana. Longe da ostentação e da rigidez institucional, seu modo de atuar é marcado por uma virtude revolucionária na prática e no simbolismo: a escuta. Em vez de se posicionar como aquele que detém todas as respostas, Francisco escolheu o caminho da atenção sensível ao outro, reconhecendo que o verdadeiro ensinamento nasce do encontro sincero com as dores, as alegrias e as esperanças do próximo, especialmente dos marginalizados, na construção coletiva de caminhos de justiça e inclusão. Essa postura não é apenas um método de comunicação, mas uma teologia encarnada, que reconhece a dignidade e o protagonismo dos excluídos como centrais para a transformação social.

Francisco não ensina por imposição, mas por convivência. Sua escuta é ativa, comprometida, visceral. Ele não ouve apenas para responder, mas para compreender, para se deixar tocar e transformar. Essa postura é fruto de uma trajetória forjada nas margens de Buenos Aires, nas “franjas” da sociedade, onde conviveu com o sofrimento humano em sua forma mais dramática. Lá, aprendeu que a realidade social pode ser cruelmente excludente e amarga – e que qualquer transformação verdadeira só nasce quando se parte do concreto, da experiência vivida, do clamor dos invisibilizados.

“Sujando os pés no barro da realidade”, percebeu que a justiça não se decreta – ela se constrói a partir da escuta das vozes silenciadas. Em encontros com comunidades faveladas, refugiados ou indígenas, ele não chega com soluções prontas, mas pergunta: “O que vocês precisam? Como a Igreja pode caminhar ao seu lado?”. Essa disposição de aprender com o outro desmonta hierarquias e permite que a mensagem cristã frutifique em respostas concretas, como políticas de inclusão ou denúncias contra a economia que mata (cf. *Evangelii Gaudium*). 

O Papa caminha com os pobres não para lhes ensinar a salvação, mas para, junto deles, encontrar caminhos de justiça e libertação. Sua missão é a de servir, e seu serviço é a inclusão. Ao ouvir os excluídos, Francisco reconhece neles não apenas destinatários de ajuda, mas sujeitos plenos, dotados de voz, saber e dignidade. Sua escuta é, portanto, um ato profundamente político e espiritual: é a ferramenta por meio da qual constrói, coletivamente, uma cultura do encontro, que valoriza o protagonismo de cada pessoa e comunidade.

As viagens pastorais de Francisco são ilustrações poderosas dessa escolha radical. Longe dos palácios vaticanos, ele prefere as favelas, os campos de refugiados, os hospitais, os presídios. Não teme sujar sua batina com o barro das vielas – ao contrário, ele busca essas marcas como símbolos de um sacerdócio encarnado na realidade. Em sua visita à comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, sintetizou essa postura de forma singela e profundamente significativa: “basta colocar água no feijão”. Com essa frase, ele exaltou o verdadeiro “jeitinho brasileiro” – a solidariedade – como expressão de esperança e partilha em meio às dificuldades.

Essa prática pastoral encontra eco e coerência no pensamento teológico de Francisco. Suas encíclicas – entre as quais se destacam Laudato Si’, Fratelli Tutti e Evangelii Gaudium – são verdadeiros tratados sobre os desafios contemporâneos. Nelas, ele reflete sobre o cuidado com o meio ambiente, a centralidade do trabalho, a importância da saúde mental e emocional, a urgência de políticas inclusivas e a necessidade de um novo pacto social baseado na fraternidade universal. Mas mesmo nesses escritos, o tom não é de quem dita verdades absolutas: é de quem convida ao diálogo, à escuta mútua, à construção coletiva.

O serviço pela escuta, promovido por Papa Francisco, é, portanto, um chamado à conversão das consciências. Trata-se de um modelo de liderança que não se sustenta na força do poder, mas na força do amor. Um amor que se traduz em escuta verdadeira, em presença concreta, em ação comprometida com a justiça e com a dignidade de todos – especialmente dos mais esquecidos. O Papa não aponta o caminho: caminha junto. E, com isso, ensina que a Igreja – e o mundo – só serão verdadeiramente humanos quando forem também verdadeiramente inclusivos.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

www.andrenaves.com 

Instagram: @andrenaves.def

“Adolescência”: A Responsabilidade Individual em Meio ao Caos Estrutural

Muito já se falou, e muito ainda há de se falar, sobre o seriado “Adolescência”. A produção, que retrata com crueza a violência juvenil, já foi esmiuçada sob diversos ângulos: a comunidade hostil, a educação precária, o bullying, a influência nefasta das redes sociais e a desestruturação familiar. Todos esses fatores, sem dúvida, contribuem para a formação de um ambiente propício ao crime. No entanto, há uma dimensão que tem sido negligenciada nas análises: a responsabilidade individual. 

É verdade que uma sociedade violenta e uma escola falida podem criar condições para o surgimento de doenças sociais, como a intimidação e a agressão entre jovens. Mas isso não significa que o indivíduo esteja fadado a sucumbir a esse ciclo. A individualidade – esse conjunto único de aptidões, potencialidades e limitações que cada um carrega – é justamente o que nos permite resistir às piores circunstâncias. Alguns têm talento para a música, outros para o esporte; há os que possuem sensibilidade aguçada, e há os que, por enquanto, não descobriram nenhuma habilidade específica. E tudo bem. A diversidade é a essência da humanidade. 

Vivemos em comunidade justamente porque nossas forças e fraquezas se complementam. A vida coletiva só faz sentido quando cada um é respeitado em sua autonomia, em sua capacidade de escolha. E é aí que entram os Direitos Humanos: não como um escudo para justificar a irresponsabilidade, mas como um instrumento de emancipação. O verdadeiro respeito aos Direitos Humanos não está em infantilizar o indivíduo, tratando-o como vítima eterna das circunstâncias, mas em reconhecê-lo como protagonista de sua própria história. 

Por isso, causa estranheza – para não dizer indignação – ver análises que transferem a culpa do criminoso para a “estrutura social”. Sim, a comunidade tem sua parcela de responsabilidade. Sim, a escola, a família e as políticas públicas falharam em muitos aspectos. Mas quem cometeu o crime, quem alimentou a fogueira do ódio, quem escolheu o caminho da violência foi o indivíduo, e só ele. Tentar diluir essa responsabilidade é reduzir a pessoa a um mero fantoche do meio, é negar sua capacidade de agência. E nada é mais antiético, mais contrário aos Direitos Humanos, do que essa visão que transforma seres humanos em eternos coitados, incapazes de responder por seus atos. 

Direitos Humanos não são – e nunca foram – sinônimo de impunidade. Pelo contrário: quem é livre para agir deve ser responsabilizado por suas ações. Essa poderia ser a síntese dos Direitos Humanos e a base de qualquer sociedade que se pretenda Justa. 

P.S.: A série acerta ao retratar as instituições policiais e judiciárias com equilíbrio. A lei é implacável, mas justa; a repressão ao crime é eficiente, mas dentro dos limites éticos. É assim que se faz segurança pública: sem abrir mão dos Direitos Humanos – porque, no fim das contas, o maior direito de todos é viver em uma sociedade onde cada um tem a Liberdade de Responder por suas escolhas.

André Naves

Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

Conselheiro do Grupo Chaverim, Embaixador do Instituto FEFIG e Amigo da Turma do Jiló.

www.andrenaves.com 

Instagram: @andrenaves.def

O Código Brasileiro de Inclusão:  Avanço em Tempos de Retrocessos

Em um cenário político marcado por retrocessos nas pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), a iniciativa do deputado federal Duarte Jr. (Maranhão) de querer propor o Código Brasileiro de Inclusão surge como um contraponto essencial, reafirmando o compromisso do Estado com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Enquanto setores retrógrados insistem em desconsiderar a importância de políticas inclusivas, essa proposta demonstra que a eliminação de barreiras sociais e ambientais não é apenas uma questão de mera civilidade, mas, acima de tudo, também um potencializador de desenvolvimento econômico e de inovação.  A sociedade que garante a participação plena de todos os cidadãos, independentemente de suas diferenças, estimula a criatividade e a pluralidade de ideias, elementos fundamentais para o progresso econômico e social.

Quando pessoas com deficiência, neuro divergentes e de outros grupos marginalizados têm suas opiniões consideradas e suas potencialidades reconhecidas, o mercado de trabalho se fortalece, a livre iniciativa se expande e a economia se beneficia de talentos que antes eram subutilizados.

Assim, o eventual novo Código Brasileiro de Inclusão, ao sistematizar e unificar os diversos dispositivos constitucionais e legais já existentes – como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a Lei Berenice Piana (que trata sobre os direitos das pessoas do transtorno do espectro do autismo) e a Convenção de Nova Iorque sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, entre tantas outras… –, cumpre um papel fundamental: tirar a lei do papel e transformá-la em políticas públicas efetivas, que tratem de produzir efeitos concretos na realidade.

Além disso, a consolidação dessas normas em um único diploma legal facilita o acesso ao conhecimento e a aplicação dos direitos, tanto pela população quanto pelos operadores do sistema jurídico. Advogados, Defensores Públicos, membros do Ministério Público e do Judiciário ganham um instrumento mais claro e coerente, agilizando a defesa dos direitos das pessoas com deficiência e promovendo maior segurança jurídica.

Portanto, a elaboração do Código Brasileiro de Inclusão representa um avanço civilizatório, reafirmando os princípios constitucionais de igualdade e dignidade humana. Em um momento em que pautas inclusivas enfrentam resistência, essa iniciativa se destaca como um farol de esperança, mostrando que é possível – e necessário – construir uma sociedade sem exclusão, mais livre, justa e democrática. A luta por inclusão não é apenas um dever do Estado, mas um caminho inevitável para um futuro mais próspero e humano.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

www.andrenaves.com 

Instagram: @andrenaves.def

Amizade

A amizade, em sua essência, é um dos pilares mais sólidos para a construção de uma vida emocionalmente equilibrada e mentalmente saudável. Mais do que uma simples conexão entre indivíduos, a verdadeira amizade é um espaço de aprendizado mútuo, onde as diferenças são celebradas, as limitações são compreendidas e os pontos fortes são potencializados. A convivência coletiva com pessoas diferentes ensina, a cada um, que todos nós temos fragilidades e potencialidades, e que só unidos podemos superar os desafios da vida.

Read More

É a Segurança Pública, Estúpido!

A famosa frase “É a Economia, Estúpido!”, cunhada por James Carville, assessor de Bill Clinton durante a campanha presidencial de 1992, tornou-se um mantra político que sintetizava a ideia de que a economia era o principal fator que influenciava as decisões eleitorais nos Estados Unidos. No contexto americano, onde a estabilidade econômica e o crescimento são pilares centrais da sociedade, essa afirmação fazia sentido. No entanto, ao transpor essa lógica para o Brasil, é necessário considerar as profundas diferenças socioeconômicas, culturais e históricas que moldam a realidade brasileira. Aqui, a máxima poderia ser adaptada para: “É a Segurança Pública, Estúpido!”.

Read More

Enfrentamento Humanista à Criminalidade

                                                                                  Rubem Alves, em uma de suas crônicas, observou com perspicácia que “todo mundo quer se matricular em um curso de oratória, porém ninguém se interessa em aprender a escutatória”. Essa reflexão, aparentemente simples, revela uma profunda lacuna na forma como lidamos com os problemas sociais, especialmente no que diz respeito ao enfrentamento da criminalidade. A falta de escuta atenta e empática tem sido uma das principais razões pelas quais as políticas públicas nessa área têm falhado em atender às reais necessidades da população. Enquanto isso, discursos simplistas e punitivistas ganham espaço, alimentados por uma narrativa que ignora as complexidades do fenômeno criminal e suas raízes sociais.

                                                                                  Há anos, a insatisfação da população com a segurança pública e o combate à criminalidade é evidente. No entanto, as autoridades parecem surdas a esses clamores, enquanto setores progressistas, por vezes, evitam o tema, criando a impressão de que estão desconectados da realidade popular. Essa omissão abre caminho para que vozes reacionárias dominem o debate, impondo políticas públicas baseadas em bordões vazios, como “direitos humanos para humanos direitos”. Tais propostas, embora sedutoras, são enganosas e contraproducentes, pois não enfrentam as causas estruturais da criminalidade e, muitas vezes, agravam a violência e a desigualdade.

                                                                                  O enfrentamento humanista à criminalidade, por outro lado, propõe uma abordagem que combina rigor legal com a garantia dos direitos humanos fundamentais. Como estabelecido no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, esses direitos incluem a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. No entanto, é essencial compreender que esses conceitos vão além de suas definições formais. A vida, por exemplo, não se resume à mera sobrevivência, mas implica o direito a uma existência plena e digna. A liberdade não se limita ao ir e vir, mas abrange o direito de ser quem se é, de se desenvolver com autonomia e protagonismo. A igualdade pressupõe a garantia de condições mínimas para que todos possam prosperar, independentemente de sua origem ou condição social. A Segurança é o enfrentamento humanista à criminalidade, além da devida Segurança Social – seguranças sanitária, educacional, alimentar, além de outras fundamentais à dignidade individual e coletiva. A Propriedade, por fim, abrange tudo o que é próprio e essencial ao ser humano, como suas ideias, crenças, trabalho e bens.

                                                                                  Nesse sentido, um enfrentamento humanista à criminalidade não pode se restringir à repressão policial. É preciso que o Estado atue de forma preventiva, levando cidadania e dignidade às comunidades mais vulneráveis, em vez de apenas “chegar com o pé na porta” em operações violentas que perpetuam o medo e a insegurança. A criminalidade, em grande parte, é um sintoma de falhas estruturais: falta de acesso à educação de qualidade, à saúde, ao emprego digno e à moradia. Ignorar essas questões é como tratar uma doença apenas aliviando seus sintomas, sem atacar sua causa.

                                                                                  A situação carcerária brasileira é um exemplo claro de como o sistema atual falha em seu propósito. As prisões, longe de ressocializar, funcionam como escolas do crime, onde o indivíduo é exposto a condições desumanas e à influência de organizações criminosas. O cárcere, na perspectiva do enfrentamento humanista exige a reformulação do sistema penitenciário, com foco na reinserção social e no respeito aos direitos básicos dos presos. É sempre válido relembrar que a dignidade humana não deve ser negada a ninguém, já que ela faz parte do feixe de atributos que nos torna Humanos. Isso abrange, inclusive, aqueles que cometeram crimes.

                                                                                  Além disso, é fundamental reconhecer que o combate à criminalidade não é uma tarefa exclusiva das polícias. Envolve a atuação integrada de diversos setores do poder público. A zeladoria urbana, por exemplo, com a manutenção de ruas, calçadas e iluminação pública, contribui para a sensação de segurança e bem-estar. Da mesma forma, políticas de saúde, educação e mobilidade urbana são essenciais para prevenir a violência e promover a inclusão social. Enfrentar a criminalidade de forma humanista exige um pacto entre os poderes e entes federativos, transcendendo ideologias e partidarismos, em prol da dignidade individual e coletiva.

                                                                                  Em síntese, o enfrentamento humanista à criminalidade não é uma proposta ingênua ou leniente. Pelo contrário, é uma abordagem que exige coragem para enfrentar as raízes do problema, combinando rigor legal com a garantia dos direitos humanos. É uma proposta que reconhece a complexidade do fenômeno criminal e busca soluções que vão além da repressão, promovendo a justiça social e a dignidade humana. Como bem lembrou Rubem Alves, é preciso aprender a escutar, pois só assim poderemos construir políticas públicas verdadeiramente eficazes e humanizadas.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

www.andrenaves.com  Instagram: @andrenaves.def

Criatividade e Inclusão Social: A Conexão entre Diversidade e Inovação

A criatividade é um dos pilares fundamentais para o progresso humano, seja no campo das artes, das ciências, da tecnologia ou dos negócios. No entanto, sua efetivação não depende apenas de talentos individuais, mas também de ambientes que favoreçam a troca de ideias e a construção coletiva. Nesse sentido, a inclusão social emerge como um elemento crucial para impulsionar a criatividade, uma vez que ela promove a diversidade de pensamentos, experiências e perspectivas. Da mesma forma, a qualificação da mão de obra está intrinsecamente ligada à criação de ambientes estruturalmente inclusivos, livres de barreiras como os preconceitos, em especial o capacitismo. Esse fenômeno ocorre porque a criatividade e a inovação são frutos do contato entre ideias diversas, que se enriquecem mutuamente por meio do diálogo e da escuta ativa.

Read More

Aktion T4 – O Aspecto Pouco Lembrado do Holocausto

O Dia Internacional da Memória do Holocausto, celebrado em 27 de janeiro, não é apenas um momento para lembrar as atrocidades cometidas pelo regime nazista, mas também para refletir sobre as diferentes faces dessa tragédia. Uma das menos lembradas é a operação Aktion T4, um programa que vitimou pessoas com deficiência sob o pretexto de “purificação racial” e “eficiência social”.

Read More

A Boa Comunicação e a Escuta Atenta: Um Exercício De Alteridade

O fundamento da boa comunicação não reside apenas na habilidade de transmitir informações de forma clara, mas, principalmente, na capacidade de escutar o outro. E escutar, é fundamental destacar, vai muito além de simplesmente ouvir sons. Trata-se de perceber as características, potencialidades, demandas e preferências de cada indivíduo. Nesse sentido, a escuta se assemelha ao ato de enxergar: não está restrita às capacidades físicas, mas à atenção genuína que damos uns aos outros.

Read More

Nada sobre Nós sem Nós

A construção de uma sociedade estruturalmente inclusiva exige a eliminação ou a equalização de barreiras que historicamente marginalizam diferentes grupos populacionais. Esse processo não se limita às pessoas com deficiência, mas abrange todos os segmentos sociais que, por razões culturais, econômicas ou estruturais, encontram-se em situação de subjugação nas relações de poder.

Read More

Pacote Fiscal: Retrocessos e Exclusão Social

O pacote fiscal recentemente anunciado pelo governo tem se mostrado um equívoco monumental, tanto na forma quanto no conteúdo, intensificando a instabilidade econômica no país. A reação do mercado foi contundente: depreciação do real frente ao dólar, aumento dos juros futuros e maior pressão sobre as contas públicas. A desconfiança gerada pelas medidas expõe não apenas a ausência de planejamento consistente, mas também o descaso com os setores mais vulneráveis da sociedade, sobretudo as pessoas com deficiência e outros grupos hipervulnerabilizados.

Read More

A Sustentabilidade da Pecuária Brasileira e o Protecionismo Francês

A pecuária na Amazônia, frequentemente acusada de ser uma vilã ambiental, é, na realidade, um exemplo de como avanços tecnológicos, aliados à aplicação rigorosa da legislação ambiental, podem tornar uma atividade produtiva plenamente sustentável. Alegações de que a pecuária seja a principal responsável pelo desmatamento, emissões de gases de efeito estufa e outras problemáticas ambientais frequentemente desconsideram os dados e os avanços recentes no setor, sendo, muitas vezes, uma estratégia protecionista de mercados internacionais, como o francês, para desviar a atenção de seus próprios desafios.

Read More

Em Defesa da Autoajuda

O recente levantamento da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” revelou um fenômeno alarmante: pela primeira vez na história, a maioria dos brasileiros declarou não ter lido sequer parte de um livro nos últimos três meses. Essa constatação representa uma perda de quase sete milhões de leitores em relação à última edição da pesquisa, realizada em 2019, indicando um afastamento crescente da leitura no país. Esse dado, que reflete uma tendência de longo prazo, aponta para uma crise multifacetada com raízes profundas.

Read More

Responsabilidade Fiscal

A discussão sobre os investimentos públicos e a dívida pública tem sido pauta recorrente nos debates sobre a economia e o desenvolvimento nacional. Contudo, muitas vezes, o foco exagerado no curto prazo leva à análise simplista dos números da dívida pública, sem levar em consideração o impacto que os investimentos orientados ao desenvolvimento humano e à melhoria das condições sociais e institucionais têm sobre sua trajetória de longo prazo.

É fundamental que o planejamento público se descole da tentação de concentrar-se exclusivamente nos dados momentâneos da dívida e, em vez disso, adote uma visão estratégica de longo prazo. A análise econômica que privilegia unicamente o tamanho da dívida no presente desconsidera o efeito transformador de certos investimentos, que, ao reduzir as desigualdades e a conflitualidade social, acabam por criar condições propícias para o desenvolvimento econômico sustentável, com impacto direto na estabilidade fiscal.

Investir em políticas públicas que garantam a efetivação dos direitos humanos, por exemplo, resulta, no longo prazo, em menos desigualdade, mais coesão social e uma significativa redução dos conflitos e tensões. Esses fatores são estabilizadores da dívida pública, pois diminuem a pressão por gastos emergenciais em áreas como segurança pública e sistemas de saúde sobrecarregados. Em vez de gastar recursos excessivos em medidas reativas, como o aumento da repressão ou o atendimento de crises sanitárias, o governo pode concentrar esforços em políticas preventivas.

Um exemplo notável é o investimento em educação. Quando se destina verbas adequadas para a melhoria do sistema educacional, os efeitos a longo prazo são palpáveis: trabalhadores mais qualificados geram maior produtividade, o que impulsiona a economia e, por consequência, as receitas públicas. A longo prazo, isso fortalece as bases fiscais do país e melhora a sustentabilidade da dívida.

A educação também tem outro impacto relevante: ela aprimora as instituições públicas, tornando-as mais eficientes, e fortalece a qualidade política dos governos, o que, por sua vez, reduz a corrupção e o desperdício de recursos. Políticos mais bem preparados e instituições mais robustas gastam melhor e de forma mais criteriosa, o que alivia a pressão sobre o orçamento público.

Além disso, o famoso ditado “quem constrói escolas não precisa construir prisões” ilustra uma realidade óbvia, mas muitas vezes ignorada: políticas públicas que favorecem a educação e a inclusão social são poderosos redutores de criminalidade. Isso, por sua vez, alivia os cofres públicos de gastos excessivos em segurança, zeladoria urbana e sistema penitenciário.

Investir em infraestrutura urbana, como iluminação pública, limpeza e manutenção de espaços, também é uma forma de economizar em longo prazo. Cidades bem cuidadas, com boa infraestrutura e políticas urbanas voltadas ao bem-estar dos cidadãos, enfrentam menos problemas de criminalidade e segurança. Esse tipo de investimento evita o aumento de gastos posteriores com repressão, construções de presídios e contratação de mais forças de segurança.

Outro exemplo importante é o investimento em políticas ambientais e de adaptação climática. Os desastres naturais e as mudanças climáticas geram um impacto financeiro gigantesco, tanto na reconstrução de áreas afetadas quanto no pagamento de indenizações às vítimas. Políticas preventivas, como o fortalecimento de medidas de preservação ambiental e a adaptação de infraestruturas para lidar com os novos desafios climáticos, economizam bilhões de reais em gastos reativos no futuro. Essas medidas, além de promoverem sustentabilidade e justiça social, têm impacto direto na saúde fiscal do país.

Portanto, os investimentos públicos feitos de maneira criteriosa, sob a égide da eficiência e de um planejamento de longo prazo, são estabilizadores da dívida pública e consistentemente alinhados à responsabilidade fiscal. A visão imediatista que se apega apenas ao tamanho atual da dívida ignora os efeitos de longo prazo de políticas de bem-estar social, educação, infraestrutura e preservação ambiental.

O caminho para a estabilidade fiscal não reside unicamente em cortar gastos de maneira indiscriminada, mas em saber onde e como investir para gerar um ciclo virtuoso de crescimento e desenvolvimento. Um planejamento de longo prazo bem feito não só estabiliza a dívida pública, como também eleva a qualidade de vida da população, promovendo um futuro mais justo e equilibrado para todos.

ANDRÉ NAVES

Defensor Público Federal. Escritor e Professor. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social e Economia Política. Comendador Cultural.

www.andrenaves.com

Instagram: @andrenaves.def

Empreendedorismo Humanista: A Concretização da Dignidade no Estado Democrático de Direito

A República Federativa do Brasil é, por essência, um Estado Democrático de Direito. Esse fundamento está alicerçado na dignidade da pessoa humana, que se desdobra em duas vertentes complementares: a dignidade individual e a dignidade coletiva. Para que essa dignidade seja efetivada, a Democracia se revela indispensável. Não se trata apenas de um regime político, mas da própria alma da nação, o que implica dizer que a Democracia é a expressão viva da vontade popular, onde a maioria deve, necessariamente, respeitar e promover os direitos dos grupos minorizados. Portanto, a Democracia no Brasil não é uma mera formalidade, mas um instrumento essencial para a concretização, aprofundamento e promoção dos Direitos Humanos.

Read More

Bets – uma aposta na Exclusão!

Nos últimos anos, o crescimento exponencial das apostas online, conhecidas popularmente como bets, tem gerado preocupações alarmantes no cenário social e econômico do Brasil. Dados recentes indicam que mais de R$ 21 bilhões já foram perdidos por brasileiros nessa prática, o que evidencia o impacto destrutivo que essa jogatina inconsequente tem causado. O que mais choca, porém, é que desse montante, cerca de R$ 3 bilhões foram desperdiçados por beneficiários do programa Bolsa-Família, uma política pública destinada a promover a autonomia, dignidade e segurança alimentar. Esses números são um reflexo gritante de como as bets estão ampliando a miséria, a exclusão social e comprometendo a saúde financeira e emocional das famílias.

Read More

As Paralimpíadas e a Inclusão Social

As Paralimpíadas, que se estendem até o próximo dia 8 de setembro, oferecem uma oportunidade única para uma reflexão profunda sobre a Inclusão Social e seus inúmeros benefícios. Os esportes, com sua capacidade ímpar de criar vínculos emocionais, nos ajudam a enxergar com mais clareza questões que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. Quando nos conectamos emocionalmente com uma causa, ela se torna mais presente em nossas vidas e, assim, catalisadora de mudanças tanto individuais quanto coletivas.

Read More

Desastres naturais e exclusão social

As crises ambientais que enfrentamos atualmente, expressas por meio de queimadas, enchentes e outros desastres naturais, são reflexos de um modelo de sociedade que prioriza o produtivismo estéril e o consumismo perdulário. Este sistema, ao invés de preservar e valorizar os recursos naturais, os exaure em um ritmo alarmante, levando a humanidade a uma rota de autodestruição. Recentemente, vimos as severas secas na Amazônia, acompanhadas por ondas de calor e frio extremos em diversas partes do país. A recente tragédia no Rio Grande do Sul, que ficou submerso por semanas devido às enchentes, foi um claro exemplo, ainda fresco em nossa memória, dos impactos devastadores desse modelo insustentável.

Read More

A Falsa Inclusão e Seus Efeitos Injustos na Sociedade

A inclusão é uma das pedras angulares de uma sociedade justa e equitativa. Ela visa a valorização da individualidade de cada pessoa, reconhecendo tanto suas forças quanto suas limitações. Contudo, quando a inclusão é mal interpretada ou utilizada de forma inadequada, ela pode resultar em injustiças e exclusão.

Read More