Category Archive : Literários

Alma

            Lembram lá atrás quando eu falei de Walter Gropius e da escola Bauhaus de arquitetura e design? Eu até usei uma fonte não-serifada, que rimava mais com o sabor modernista… Lembraram? Faltou um detalhe que, de tão importante, era a alma daquela história…

            Pra contar essa história de som e fúria a gente precisa de uma trilha sonora especial. Intensa e solene. Emoção pura. Sinfonia n. 2 de Gustav Mahler, “Ressurreição”! Pra quem gosta, e eu aprecio bastante, que tal uma taça de vinho? Uma dose de whisky? Uma cachacinha?

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Enxergar!

            E o carro se perdia na estrada reta. Plantações intermináveis para todos os lados. Caminhões que passam. Usinas. Cheiro de cana queimada, processada, colhida. Pamonhas da beira…

Enxergo o Futuro, a Prosperidade, a Esperança!

            Enxergo!

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Deserto sem Respostas

            Chega a ser engraçado se não fosse trágico… As minhas ideias que floresciam como lírios do campo ressecaram em um profundo e silencioso deserto: um deserto sem respostas… Acho que a vida é assim mesmo… Atravessamos a aridez inóspita em busca de respostas que de tão evidentes acabam se tornando invisíveis…

            O Otto Lara Resende contava uma história bem interessante de um senhor que morava há mais de 32 anos num mesmo apartamento. Lugar bonito, na frente do mar de Copacabana. Sempre fiquei imaginando a biblioteca desse homem. Será que tinha tapetes? O que ele gostava de ler? Ele fazia as cruzadinhas? Lia o obituário?

            Vamos voltar para o leito do enredo… Aquele senhor morava lá há mais de 32 anos. 32… Passava pelo porteiro todo santo dia. Cumprimentava. Até caçoava do futebol… Mas nunca parou para ver mesmo. Acho que nem o nome sabia. De tanto ver, ele não via. Que coisa, né?

            Um dia entrou no elevador. 32 anos, veja bem. Não estou falando de 32 horas… Tinha um cartaz pregado lá. Foto do porteiro bem grande. Morreu. Foi nesse instante que nosso protagonista descobriu seu nome, seu rosto… Descobriu que ele tinha família. Foi a primeira vez que aquele senhor enxergou o porteiro.

            Na morte, enxergou. Puxa vida!

            A história termina aí. Mas a gente entende quando vai desertificando tudo. De tanto ver, não vê… Sabe o caminho que a gente passa todo dia? Deserto. Sabe o que a gente só ouve? Grande silêncio que ecoa a falta de respostas…

            Hoje eu tô meio que escrevendo só umas ideias sem nexo. Talvez seja pela minha gripe. Gripe passa. Não é desculpa… Pra quem já voltou do coma, o que é um estadozinho gripal? Quem sabe seja o cansaço? Escrever é meu prazer e a fadiga passa lá longe, onde o vento assobia e faz curva.

            Deve ser pela tensão do momento. De ver tanta gente hipnotizada, repetindo a ilusão desértica de um silêncio sem respostas nem ideias. Parece até uma zumbilândia… De tão óbvias, as respostas nunca são ditas. Pior, mentiras ganham a ribalta! Prefiro o silêncio ensurdecedor que a sedução de um canto das sereias que leva à ruína e à morte!

            MENTIRAS!

            Mas no deserto em que se tornou minha mente, parece até que estou vendo alguma coisa brotar. Um pingo de esperança no meio daquela secura da morte. Aquela que nunca resseca, nunca morre, a última no deserto.

            ESPERANÇA!

            UMA ROSA VERMELHA!

André Naves

Le Chaim

            Sucesso como sempre! Aplausos!

Daniel Baremboim, o encantador dos pianos, tinha feito mais uma de suas mágicas! Tocar o “Rach 3” não é pra qualquer um… Ainda mais com tanta emoção, esperança…

Sabe quando a gente ouve até a poesia do piano? Parece até que ele está conversando, falando… “Shalom”…

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Homenagem às Mães!

            Hoje não há nomes nem lágrimas! Todas merecem a homenagem das rosas… Será que elas mesmas não são suaves como o perfume das pétalas, mas obstinadas como os espinhos? Que bom seria um mundo livre de barreiras, obstáculos, exclusões: que agradável seria o mundo se fora o colo de uma mãe!

            Sabe a mãe pelicano que, na imagem, rasga o próprio peito para dar de comer aos filhotes? A mãe nunca sente o sacrifício imposto para o desenvolvimento da autonomia e da individualidade dos seus… São almas enobrecidas pela bondade e pela dureza: são torres de sabedoria!

            Os exemplos valem mais do que as palavras, e elas agem, criam, choram e sorriem!

            Claro que há exceções… Para tudo há… Mas para que sujar esse texto com tantas marcas fúnebres e tenebrosas? Melhor falar da luta e não do luto. O sorriso nasce da ternura, ainda que os obstáculos sejam gigantescos.

            Eu fico até sem palavras para tentar homenageá-las. A preciosidade de seus gestos representa a mais límpida claridade da Luz: as barreiras existem para serem destruídas! Nenhum filho ficará para trás, no que depender de sua mãe.

            Mãe Gentil!

            Quero enaltecer uma mãe em especial, e junto com ela, elevar um altar para todas! Vou contar uma história que traz a imagem de como as mães são a personificação da Disciplina, da Perseverança e da Alteridade!

            Naquele tempo eu havia acabado de me formar. Minha recuperação, ainda como nos dias de hoje, ainda não é completa… Na verdade, nunca será!

            A falta de trabalho me incomodava… Não que eu fosse um desocupado, pelo contrário! Já às seis eu costumava despertar para iniciar minhas atividades terapêuticas. Às dez, já arrumado, começava minha rotina de estudos. Às vinte, eu dava, com minha mãe, uma caminhada noturna.

            Entretanto, ainda que as terapias físicas e mentais se mostrassem valiosíssimas para meu desenvolvimento pessoal, e meus estudos fossem o sacrifício a ser feito para adentrar na senda da Defensoria Pública, eu ainda me sentia um inútil e sem valor.

            Eu estava construindo um bom caminho, que me trouxe até aqui e agora. Na época, no entanto, eu não tinha essa percepção… O desespero tomava conta de mim, assim com uma erva daninha, quando não retirada a tempo, prejudica os campos produtivos.

            É por isso que sempre gosto de reafirmar minha religiosidade! Foi para lá que eu corri nesse tempo sombrio, e é lá que eu descobri o conforto e os valores necessários para aproveitar melhor essa época atual, de Luzes e Perfumes.

            Mas voltando ao tempo em que só a Lua alumiava meu congá, a vergonha da inutilidade aparente me dominava. Gosto muito de nadar, mas acostumei-me a fazer isso isolado, quando não há ninguém mais vendo. Talvez seja resquício desse tempo…

            As cicatrizes, e tenho diversas, psicológicas são mais reais que as físicas, ainda que muito menos visíveis…

            Por isso, naquele tempo, eu acordava com o canto do galo, e, após um café bem preto, eu me aquecia e já ia nadar. Não importava Sol, chuva ou temperatura… Eu estava lá, não por apenas divertimento, mas para me preparar para os próximos passos em meu caminho.

            Após um dia intenso de estudos preparatórios, por volta das 8 da noite, minha mãe e nosso cachorro me chamavam para uma caminhada. Eu precisava relaxar, mas também reaprender a caminhar e treinar minha marcha, além de conversar.

            Naquelas caminhadas, eu arrastava, e ainda arrasto, meu pé, tropeçando nos pequenos montinhos pela trilha… Nessas horas minha mãe falava para mim, num carinho enérgico: “A ponta do pé tem de ir para a ponta do nariz”!

            Era uma maneira de me lembrar dos detalhes para que meu caminho fosse mais produtivo e proveitoso… Os pequenos detalhes que, de tão importantes, acabam por se tornar os principais.

            Foram tempos de solidão, em que eu, sem perceber, me isolava cada vez mais. Parecia que eu havia construído um casulo para me refugiar de tudo e de todos… Mas dentro de mim, fervilhavam reflexões e ponderações…

            Busquei ser útil em locais em que eu poderia fazer a diferença, sem, claro, descuidar da minha preparação… Asilos, organizações religiosas e políticas, além de várias iniciativas de assistência social.

            O mundo precisava de refresco, e eu queria ser parte da solução, e não do problema. Não era me fechando em minha caverna interior, num individualismo exagerado que beirava o egoísmo, que a vida melhoraria.

            Pelo contrário! É na construção de estruturas sociais justas, fundadas nos sólidos valores éticos transmitidos pelas palavras, pelo trabalho e pelo exemplo de meus rochedos primordiais que teremos, todos, uma vida mais iluminada!

            Agora, aqui, escrevendo essas linhas numa tarde banhada pelo Sol, consigo perceber com maior nitidez que tudo pelo que passei, as trevas mais profundas causadas pelo isolamento e pelo desespero, foram ladrilhos necessários para que meu caminho ficasse ainda mais belo.

            Ainda hoje ainda ouço minha mãe nas nossas caminhadas noturnas me alertando que os detalhes também são essenciais. Que nossos objetivos são construídos pelo esforço constante e consciente…

            “Na ponta do nariz”

André Naves

Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural. Conselheiro do grupo Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló. Membro do comitê de inclusão do LIDE.

Vovó Telê

            Prestidigitação… Ilusionismo… Sabe o mágico de circo? Enquanto todo mundo tá lá vidrado na minissaia da ajudante, ele vai lá e pimba! Tira o coelho da cartola. A gente sempre fica com uma pulga atrás da orelha tentando descobrir o truque…

            SEMPRE!

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Metalinguagem

            Meu desejo sempre foi traduzir a sabedoria ancestral dos gigantes de outrora em fantasias, sonhos e memórias. Algo como Carlos Gomes fez quando musicou o espetáculo do nascimento de um novo dia em sua Alvorada… Como traduzir em música o levantar do Astro Rei?

            Como explicar o lirismo e o sabor do sentir em palavras? Como iluminar a ignorância do desconhecido? A racionalidade busca lógicas para justificar os desejos mais essenciais, mas as emoções acabam sendo as regentes do nosso comportamento.

            Será que Champollion teria decifrado a pedra da Rosetta sem saborear o espírito egípcio? Eu não tenho essa resposta. Pra ser sincero, prefiro nem ter… O fato é que ele decifrou a alva chave para traduzir aqueles hieróglifos e banhá-los com as Luzes da Ilustração…

            No entanto, assim como uma simples pedra marcada pode gerar tamanha iluminação, novos conhecimentos são sementes poéticas para toda a Humanidade: Razão e Emoção num abraço fraternal na jornada em busca da Verdade.

            Por vezes, somos afogados nas águas violentas da tormenta. O mundo, tão cru e bárbaro, sempre me lembra que nem sempre o sonho é uma trilha aceitável. Que covardia é essa, para que eu me esconda numa poética alienante?

            É nessas horas que eu subo nos ombros dos gigantes. É de lá que eu vejo mais longe… Mas não adianta subir até as estrelas se eu não entrar nas cavernas do meu coração…

            É lá que eu encontro as ferrugens, mas também ferramentas para a construção constante do caminho que leva às luzes da Sabedoria!

É lá que eu encontro a pedra e a chave para traduzir a alma popular!

AM ISRAEL CHAI!

André Naves

Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural. Conselheiro do grupo Chaverim.

Ophicleide

        Hoje em dia é muito fácil. É só a gente entrar no Google que as respostas vêm, como formigas comendo restos. Na minha época tudo era diferente… Melhor, diriam os saudosistas…

            Tinha a Barsa, a Mirador, a Larousse… Até o Manual do Escoteiro Mirim eu tinha! Pra quem gosta de passado, amarelo como ouro, tudo é motivo de lembrança! As memórias são rios que passam, mas nos deixam felizes e molhados.

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Mana…

– Alô, Mana… Oi…

– Oi! Como vai?

– Muitíssimo obrigado por me atender.

– Para! É um prazer atender, ainda mais quando é artista…

– Artista? Eu nem saí da casca do ovo ainda… Estou na Faculdade de Direito… Minha vida é outra…

– Artista sim. Daqui uns anos amadurece essa fruta. Aliás, por qual porta você entrou nas Arcadas? Você nunca escreveu nada? Pintou? Desenhou? Interpretou?

– Como você sabe disso?

– Ele me contou… Na verdade nem sei se foi Ele, Ela ou uma Poesia…

– Quem?

– Ele. O Altíssimo. O Criador. O Grande Arquiteto do Universo.

– Como assim?

– Vamos deixar simples? Foi um Sabiá que me contou. Só que esse aí lembrava muito o Rebe…

– Lubavitch?????

– Era meio uma mistura dele com o Frei Damião… Estou confusa… Já faz tempo que vim pra cá. Amanhã eu volto.

– Como cê sabe?

– Sabe a Irmã Dulce? Ela me contou…

– Mana do céu! Eu nem conhecia esse seu lado…

– Que lado?

– Religioso. Nunca imaginei…

– Nem eu… Na verdade eu sempre fui, mas não tenho religião. Acho que continuo assim. Quando você voltar vai entender.

– Voltar?

– É… Uns 45 dias…

– Ué… Não tô entendendo!

– O Tempo é diferente. Uma vez o Raoni me contou a história de um curumim doido para pegar o saci. Ele jogava a peneira naquele redemoinho de vento e poeira, mas nunca acertava. O vento dançava, desenhava com a terra… Pegar o saci era impossível! O curumim se mordia de inveja… Queria morar no vento igual o saci! Entender o tempo é igual a caçar saci: não dá!

– Ou dá… Com a peneira do lirismo… O Aldir fala disso!

– Artista, não falei? Quer teimar com o Sabe Tudo? Ele apareceu para você também?

– O Rebe?

– O Aldir…

– Não. É que lembrei de uma música dele. As memórias sempre pegam a gente de calça curta… Marejam os olhos, dão nó nos gargomilo, encantam a alma… Mas, Mana… Você me falou de voltar…

– Então ele ainda vai aparecer e te explicar tudo. O que eu sei é que os médicos falaram para meus pais que eu ia embora, mas eles se esqueceram do imponderável. Sabe a música do Chico? Então, tô voltando… Vou voltar para a minha Pasárgada… Nessa hora os médicos devem estar com sua mãe…

– E aí?

– Vão falar que você nunca mais voltará para o colo do lar. Mas você voltará. Depois, falarão que a paralisia vai fazer acampamento no seu corpo… Nada. Depois, ainda, vão falar que os passos nunca mais estariam com você. Bobagem! Por fim, que as trevas dominariam seus olhos… Engano…

– Então eles são errados?

– Claro que não! Mas o milagre é um monumento que serve pra gente lembrar que não é o Sabe Tudo. HU-MIL-DA-DE!

– Então eu vou voltar? Igual a você?

– Isso! Não é bem igual, né… Cada um tem sua vida né? Seu caminho… Eu volto e vou reciclar… Mudar é a joia humana! Vou ensinar quem não pode essa preciosidade!

– Ele também muda sempre?

– Nada é mais precioso que Ele! É uma metamorfose ambulante, diria Raul…

– E eu?

– Ele vai te contar melhor, ainda… O que sei é que você volta! Com certeza! No fim, quem faz sua trilha é você. Ele sempre fala que as bençãos são como a chuva: descem para todo mundo. Mas também são igual uma plantação de goiaba: só cultivando, cuidando, servido, as bençãos perfumam e dão doce!

– O Rebe gostava de goiaba?

– Não sei. Devia gostar! É goiaba, né…

– Mas ele falava isso?

– Claro que não! Mas a sabedoria é tipo uma joia: a gente tem de fazer de acordo com o barro do mundo. Se não, ela voa como o álcool evaporando… Num segundinho, nem cheiro dela…

– Então, a gente se esbarra por lá…

– Lembre-se disso: ARTISTA!

– Artista?

– Tchau!

André Naves

Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural.

Fígaro!!!

            Flanar me faz muito bem. Caminhar assim, sem rumo, vendo as pessoas e paisagens, sentindo o Sol e o vento… As delícias do ar um pouquinho refrescante pela manhã, os cachorros conduzindo os donos, tudo é matéria-prima para minhas letras, para o meu dia e para a minha alma…

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Cores da Esperança

            O que são as Artes? Desconfio que ninguém seja capaz de defini-las, até mesmo porque essa seria uma definição tão absurda quanto inútil. O ser humano pensa, imagina, sonha… Por isso faz Arte!

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Senhor Brasil

            Chora viola!

            Lenta e calmamente anuncia o causo que se avizinha…

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O Acorde

            Tem modas que matam. Elas sujam de sangue quem as empunha e quem delas é vítima. Modismos, caprichos: o recheio de gente vazia… Esses que parecem um pastel de vento, que jogaram no lixo o pensamento… Avacalharam o estudo!

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Senta no Próprio Rabo!

        Tem gente que senta no rabo pra falar do rabicó! Sabe esse povo que só vê problema nos outros? Sartre, irônico e casmurro, aspirando seu Gitanes, diria que “o inferno são os outros”…

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Oriente

            Os reis magos, sábios, vieram do Oriente. Dizem que eram astrólogos… Enxergavam o saber das estrelas… Elas indicavam os caminhos que eles deveriam trilhar. Existe um certo preconceito com a astrologia que eu nunca entendi… Vou ser bem sincero!

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Orelhas de H…

            Num dia como hoje, em que o mês de fevereiro já vai se despedindo da plateia para a entrada de março com suas águas que fecham o verão que fui visitar o risonho seu Isaque e a prestimosa dona Débora.

            Era um casal já idoso, cujos filhos tinham ido estudar e acabaram escolhendo morar em terra estrangeira. Para lembrar deles, bebiam pelas manhãs, antes do Sol nascer, um leite bem quente adoçado com o melhor mel do Vale.

            É… Eles produziam mel… Não eles, lógico! Criavam abelhas, e delas extraíam o mais puro e cheiroso visco dourado de toda região… Diziam que a voz de dona Débora era tão bonita por causa dele…

            Ao cair da tarde, depois da lida diária, ele tocava uma clarineta que herdara de seu avô, e ela cantava… Era um pássaro! Um bem-te-vi com aquele coletinho amarelo que canta, feliz, ao anunciar a boa água que cai do céu.

            Seu Isaque era um piadista gozador: adorava os causos da roça. Contava um atrás do outro, e, às vezes, dona Débora ralhava em tom de brincadeira. Uma das preferidas dele era falar dos filhos que trocaram a paz, a água e a fartura por um deserto de segurança e riqueza. Era um jeito carinhoso de mostrar toda as suas saudades e todo o seu gosto pelo caminho que eles escolheram.

            “Fio é prá voá!”, falava ele, e ria…

            De repente, apitou o celular. Era o alarme, contando que dona Débora já podia retirar os biscoitinhos bem perfumados do forno. “Saíram as orelhas de H…”, nessa hora ela foi interrompida por uma revoada de maritacas que, fazendo aquela algazarra, tinha pousado na árvore em frente.

            “Vem ver meus canarinho verde! Eles sempre vêm essa hora pra cumê e durmi. Eu ponho aguinha, deixo tudo certinho pra eles! Quando eles se recolhe, já falo pro véio que é nossa hora também… Mas eu ia falando da orelhas de H…”

            PAAPAA! PRAAA! RECO! TEC!

            “Corre aqui gente!”, interrompeu, mais uma vez, seu Isaque! “Achei a matraca que me pai fez pra mim! Procurei em tudo quanto é canto! Que nó nos gargomilo…” chorava o idoso roceiro.

            “Fica assim não, véio! Vem pra mesa. Nóis vamo cumê uns biscoitinho e tumá leite com mel… Vem conversá com as visita qu´ocê miora!”

            Já na mesa, sentado e mais calmo, ele começou a contar a história da matraca, dos biscoitos, do leite e do mel…

“Os antigo contava que tudo aqui era uma fazenda só! Aqui, nessas roça, o povo era tudo colono… O dono, fazendeiro, era bom. Mas tinha um padre que morava com ele que era ruim que só o tinhoso!

Esse padre chamava H…”

RRÁ! RRÁ! RRÁ! A festa das maritacas, mais uma vez, impediu seu Isaque de prosseguir… Depois, tudo acalmado, ele continuou.

“Então… Nessas roça vivia um estrangeiro véio que chamava Mordechai. Que nome! Coisa de gente de fora… Nem é brasileiro isso… Ele era tipo o sábio daqui da colônia: sabia tudo! Tempo das chuva, da seca, da plantação, da criação… Tudo!

Ele tinha uma neta muito formosa, a Esther! Os home tudo da aldeia queria casá cum ela! Dizem que até aquele padreco de festa junina quiria… Foi pur isso que ele armô tudo…

Convenceu o fazendeiro de que ele tinha de plantá só café. Toda gente ia sê tocada daqui… Tudo ia sê cafezá! Falô que mió que isso, só Jesus Cristo! E todo mundo? Ia fazê o que? De certo, morrê!

Diacho de padre!

Mas acontece que o fazendeiro, um dia, resolveu passeá de cavalo, e avistô a Ester na bera do córgo lavando roupa. Apaxonô!

Mordechai viu isso tudo e começô a matutá um plano! Juntô todo mundo e foi dividindo as lida! Deu tudo do bom e do mió pra cada um. Um colono ia plantá fruta e a muié ia fazê compota! O outro, verdura. Mais um, beterraba e a muié ia fazê a mió sopa!

Ele escolheu criá abelha. Ia fazê mel! É que o mais gostoso é o mel feito com abelha livre pra cumê o que quisé!

Logo, essas banda viraram uma festa danada! Tudo daqui era bom, o mió!

Mas o plano ainda tava pela metade! Mordechai aproveitou uma ida do padre pra paróquia central e ajeitou o casamento dela com o fazendeiro. Aos poucos, ela convenceu ele a deixá o café de lado e aproveitá mió nossos produto…

Quando o padreco voltô, nada mais tinha a fazê! Pediu pra ir pra Capitá!

É por isso que esses biscoito chamam orelha de H…”

MÉ! GRÉ! PPRR!, se alarmaram os bichos da roça… Devem ter visto um Saci!

“É pra gente cumê contando essa história. Assim aquele dito cujo ouve bem, sempre, e vê se aprende que o povo unido vale mais do que qualqué saca de café! É por isso que meu pai me fez aquela matraca! Pra eu fazer muito barulho e espantar aquele nome maldito daqui…

H…”

TRRR! TRRRR!, os trovões anunciavam que o toró se aproximava!

“Mas hoje… Hoje… Nem da minha matraca precisei! O mundo já falô!”

André Naves

Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural.

Choro: uma palavra feminina

            Há pouco eu falei da Bauhaus e de Walter Gropius. Lembram? Eu até usei uma fonte não serifada em homenagem aos princípios daquela escola de pensamento… A gente, inclusive, conversava como ela influenciou um grupo muito especial de arquitetos e urbanistas brasileiros…

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Ressurreição

Amanheceu um dia tão perfeito que sua imperfeição mostrou as garras. O Sol que brilhava, a temperatura agradável, a leve brisa, convidavam ao sorriso poético daquela terça-feira.

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Gavroche

Durante mais de 30 anos Victor Hugo experimentou um processo transformador. Daqueles mecanismos que metamorfoseiam o fubá, junto a outros ingredientes, em um delicioso e cheiroso bolo, pronto para animar, encher de gostosura a vida de quem sente o cheiro ou o come, e estimular as prosas…

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Sinhá

Sinhá

            Na corte da N´gola Nzinga, nas terras africanas do Dongo, havia um griô cego e já idoso… Ele era conhecido por conversar com a terra, com as águas, com os bichos e as plantas.

Os conselhos dele valiam como bananas: nada era mais importante para a vida que o alimento… Nada enchia mais a alma que a doçura…

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