Absurdo!

Absurdo!

Absurdo!

            – Absurdo você fazer isso, Aldir! Porra! Que merda! Marquei consulta com você, psiquiatra, tomei o endereço do consultório, e quando chego aqui me deparo com essa bodega! Eu devia desconfiar… Quem busca o lirismo da humanidade com a música não consegue ser sério…

            – Calma, Di! Até parece que você não busca, com suas pinturas, a poesia do povo… Eu aprendi a fazer isso com você. Na “Samba” você me ganhou: dá pra sentir o batuque da sensualidade na tela. Toma uma comigo e sossega o faixo. Você, Di, ensinou o Brasil a enxergar o Brasil! Desde o catálogo de 22 até o “Baile Popular”, é puro suco da gente. E aqui, a gente pode pedir umas e outras, comer uma moelinha acebolada, ouvir os sons do mundo…

            – A poesia da rua… O canto da calçada! A canção das nossas raças, como diria o Pinheiro! Ou você, com o Mestre-Sala…

            – Eu sabia que você ia se acalmar. O que a gente vai tomar? 2 cachaças pra abrir o apetite? Um torresminho? Sabe o João? Quando a gente tava escrevendo o “Corsário” ele, com aquela musicalidade gigante, queria ser o primeiro a plantar uma nova era. Acho que deu pra sentir na letra, né?

            – Acho que deu mesmo. A ancestralidade do mar salgado, uma certa metáfora das ondas, nossa história de tanta luta, expropriação e amor! Puta música! Apoteose pura! Quando o Oscar desenhou o sambódromo ele deve ter ouvido vocês!

            – E visto seus quadros! Certeza que viu! Lógico! Só se enxerga o Brasil depois de Di Cavalcanti! Mas, fala, você veio para uma consulta ou não?

            – Sério que você quer falar disso aqui?

            – Muito sério! Esse aqui é o melhor consultório que se pode querer. Vários pacientes meus já vieram aqui. Eu já falei: a sensibilidade popular faz parte do diagnóstico e do tratamento. Estar aqui, nesse ambiente, é um santo remédio!

            – Só me preocupam os efeitos colaterais disso…

            – Não me vem com essas de puritano! Quem pintou como você, quem escolheu temas tão nossos, não tem o direito disso!

            – Sabe o que é, Aldir? O Brasil tá queimando… Calor, fumaça, secura. Cadê o paraíso que a gente sonhou? Tomo mundo fica escondido, guardado por D´us, contando o vil metal. Cadê a alteridade brasileira? Cadê as mãos dadas? Cadê o povo? Eu vi quando você compôs “O Bêbado e o Equilibrista”. Vi o “Mestre-Sala dos Mares”. Vi esses hinos guiando a gente rumo à Democracia! E agora, Aldir? É só selvageria, cada um por si… Acho que cansei desse Brazil. Quero o nosso Brasil!

            – Isso não é com psiquiatra, infelizmente… No fundo é seu coração chorando de saudades do porvir… Virá? Não sei…

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            Acordei do desmaio. Vagão lotado. Desorientação…

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