ESG: a Guerra e o Brasil

ESG: a Guerra e o Brasil

Notas Introdutórias

Requisitos “ESG” para investimentos, também denominados investimentos com propósito, são aqueles que possuem nas questões da sustentabilidade ambiental (“Environment”), da adequação à maior inclusão social (“Social) e da responsabilização transparente em relação a questões de governança (“Governance”), seu cerne fundamental.

Iniciativas embrionárias de semelhante teor, ambientais, sociais e de governança, já vinham sendo elaboradas desde os anos 1970, com a “Cúpula do Desenvolvimento Sustentável”, em Estocolmo, em 1972, com o “Relatório Brundtland”, de 1987, com a “Eco-92”, no Rio de Janeiro, pelo estabelecimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (objetivos para que o mundo possa se desenvolver sustentavelmente, com Justiça, Segurança Social e Sustentabilidade Ambiental), além de outras iniciativas similares, todas elas incentivadas pela ONU, pelos aparatos governamentais dos Estados-Nacionais e por outras iniciativas públicas.

 No entanto, só mais recentemente essas temáticas adquiriram força e vigor, ao que passaram a ser analisadas com maior seriedade pelos atores da iniciativa privada, como a Sociedade Civil organizada, as ONGs, e as Empresas (iniciativas econômicas e sociais). Tanto é assim que as recentes e anuais “cartas de Larry Flink” (gestor da BlackRock, a maior administradora de ativos do mundo, em que ele traça as principais estratégias para que os investimentos tenham lucratividade), além dos constantes debates que ocorrem no Fórum Econômico Mundial, fundamentam-se nessa gama de objetivos.

Assim, premidos pelas necessidades atuais para que os empreendimentos econômicos sejam viáveis, os requisitos ambientais (environmental), as exigências sociais e os critérios de governança aparecem como fatores obrigatórios à sustentabilidade das atividades econômicas, significando que são condições necessárias para a produção, com sucesso, dos resultados econômicos individuais e sociais visados. 

As exigências ambientais representam as necessidades a que os empreendimentos estão sujeitos, no sentido de produzirem externalidades positivas no sentido de buscar o desenvolvimento sustentável. Da mesma maneira, as necessidades sociais são aquelas que determinam a inclusão e a concretização das capacidades produtivas individuais. Os critérios de governança, por sua vez, são aqueles que, além de combater a corrupção interna às atividades, buscam, pela instituição de mecanismos de otimização e transparência, o aumento da eficiência e da construção de uma hierarquia funcional de prioridades pelos empreendimentos econômicos.

No mesmo sentido, atividades econômicas que valorizem a inclusão daquela parcela populacional ainda excluída da produção são mais produtivas. É que ao incluir mais indivíduos no mercado produtivo, com seu cabedal único de experiências, características e peculiaridades, amplia-se a gama de capacidades aptas a contribuir ativamente com a produtividade. Ou seja, a inclusão amplia a Liberdade Individual, na medida em que enseja o florescimento das capacidades produtivas inerentes a cada individualidade. No fim, o aumento das Liberdades, acarretadas pela Inclusão, aumenta a carga de Justiça.

Ainda sobre os critérios sociais, podemos destacar que as necessidades humanas foram esquematizadas na famosa Pirâmide de Maslow, com a demonstração, a partir dos estudos originários dela, de que as pessoas humanas só atingem os elevados patamares da criatividade e da realização pessoal após satisfeitos os requisitos básicos de sobrevivência, tais como a alimentação, descanso, saneamento, entre outros. Ou seja, as capacidades humanas que são desenvolvidas para a inovação tecnológica, para a criatividade artística, para a eficiência no trabalho e para o aproveitamento educacional, só podem ser estimuladas por meio de uma rede articulada de iniciativas e políticas públicas que visem à superação das mais essenciais carências, inerentes a todo ser humano.

A pena de Graciliano Ramos em “Vidas Secas” e as tintas de Portinari nos “Retirantes” são ilustrações simbólicas dessas trevas desumanizantes, que tão mal fazem à Sociedade. Personagens que de tão carentes de quaisquer elementos mais fundamentais à condição digna confundem-se com a paisagem agreste, com os animais esquálidos e com a vegetação inerte. O único objetivo que os mantém vivos é a luta pela sobrevivência. Buscam a superação, ainda que inconscientemente, dos primeiros degraus daquela pirâmide… E nessa jornada incessante, toda a energia criativa, inerente à condição humana, é desperdiçada. Quantas ideias, quantas soluções, quantas inovações não se perderam nas brumas da exclusão social?

Ao lado desses critérios, ambientais e sociais, também são levados em conta os requisitos de governança, vale dizer, as necessárias cargas de transparência e eficiência inerentes a cada empreendimento econômico. Nesse caminho, a corrupção eventualmente interna às atividades deve ser combatida pela adoção, ademais dos mecanismos repressivos interiores, de princípios gerais e regras específicas regentes do específico empreendimento.

Esses critérios, quais sejam, ambientais, sociais e de governança perfazem as exigências à sustentabilidade de quaisquer empreendimentos econômicos. Isso significa que a reprodução sustentável da produtividade depende dessas posturas. Ao mesmo tempo, o florescimento dessas exigências, fundamentais as desenvolvimento econômico, só é possível por meio da mediação democrática dos anseios individuais. 

É que a Democracia, entendida como a vontade da maioria que respeita a dignidade das minorias buscando a autonomia individual, é essencial para a construção, mediante o conjunto de atos, e posturas, humanos, de um padrão axiológico sustentável, fundamental à crescente reprodução econômica. Esse padrão axiológico, determinado individualmente pela Democracia, e plasmado nesses três aparentes paradigmas de sustentabilidade (requisitos ambientais, sociais e de governança), é essencial ao sucesso econômico.

Mas, ainda que aparentemente esses desideratos possam ser cindidos, a verdade é que eles constituem um sólido bloco de iniciativas interdependentes. É dizer que não se pode conceber os requisitos “ESG” como separados. Eles constituem um único corpo, e, como tal, os requisitos advindos dessa “Coluna ESG” devem ser propostos harmonicamente, de maneira a que benefícios em uma área específica não resultem em prejuízos para as outras.

Sabedora de todas essas capacidades malversadas, e no sentido de aprofundar a proteção social efetiva que a iniciativa privada, ao condensar as propostas estabelecidas pela ONU nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODSs), instituiu enquanto requisito necessário à viabilidade de qualquer empreendimento, o Pilar “ESG” (“Environment, Social, Governance”). Ou seja, como três facetas de um mesmo corpo, as letras “ESG” preconizam a satisfação das mais fundamentais necessidades humanas, liberando a criatividade e a livre iniciativa de cada pessoa.

O entendimento de que as iniciativas “ESG” devem compor uma rede coordenada que possua em seu centro focal a pessoa humana é essencial para que sejam superados os estados de exclusão e carestia social, franqueando a cada ser humano, com suas peculiaridades e características, contribuir com seu trabalho e suas ideias no sentido de engrandecer a atividade inovadora em que a bioeconomia humanizadora seja a tônica do desenvolvimento social.

Como exemplos dessa necessária integração, em que os requisitos “E”  não seriam divorciados dos “S” e dos “G”, e sim encarados como um único elemento “ESG”, é lícito citar os recentes desdobramentos da Operação Handroantus GLO em que, à guisa de se privilegiar a tecnicalidade legal desprezando-se os reclamos da realidade, enormes quantias de madeira ilegal foram liberadas incentivando os ilícitos daquela espécie, além de outros correlatos. 

Da mesma maneira, o combate deficiente, baseado na corrupção sistêmica das estruturas estatais, à mineração em terras indígenas, conforme recentemente noticiado, funciona como catalisador das mais perversas pressões e explorações sociais. Ou ainda, os rompimentos das barragens oriundas da mineração parcamente fiscalizadas que deterioraram todo o entorno do Vale do Rio Doce, impedindo a sobrevivência de comunidades tradicionais, com suas culturas e saberes, além de promover danos irreversíveis àquela estrutura ambiental.

Em todos os exemplos anteriores a deficiência nos critérios “G” (Governance), seja em forma de corrupção, de fraqueza institucional, de falta de transparência, ou de burocratização estéril, levou a prejuízos ambientais e a pressões sociais. Da mesma maneira, vemos a ascensão do fenômeno do “precaucionismo” em que, a pretexto de proteger o meio ambiente, diversos países têm aumentado barreiras protecionistas, que, ao fim e ao cabo, incentivarão as mazelas sociais e a corrupção, culminando no aumento da destruição ambiental…

É por isso que essas propostas e critérios hão de ser concretizados organicamente, de maneira a que um deles, isoladamente, não seja tratado como subterfúgio para a manutenção das práticas mais deletérias.

Desigualdade Social

Cada indivíduo humano possui, na essência de sua Dignidade, um liame pressuposto com a coletividade. Ou seja, de acordo com as capacidades e atributos típicos da individualidade, os seres humanos constituem-se em coletividades, que hão de ser otimizadas para que a vida de todos se torne melhor. Extrapolando o exemplo de Adam Smith que diz não ser a benevolência do padeiro que o faz assar pães, podemos ressaltar que ele pressupõe uma comunidade para poder comerciar seus alimentos por bens e serviços por todo o conjunto produzido.

Nesse sentido, autonomia humana é a capacidade de cada ser humano ser apto a superar toda sorte de barreiras irrazoáveis. Há uma série de barreiras justificadas em que a interdependência humana realça a individualidade de cada pessoa quando, em coordenação com a coletividade, essas são superadas, franqueando a cada pessoa sua existência digna e inclusiva perante a sociedade.

As dificuldades irrazoáveis, por outro lado, são aquelas que aprisionam cada indivíduo ou coletividade nas masmorras da exclusão social. Dentre essas barreiras, pode-se destacar a pobreza. Ou seja, as dignidades inerentes a cada pessoa humana, que devem ser desenvolvidas e destacadas tanto intrinsecamente, no processo de auto-burilamento, como extrinsecamente na interação harmônica com a coletividade, não podem ser bloqueadas pela ação excludente.

Na medida em que cada indivíduo, sempre em coordenação com a coletividade, pode desenvolver sua dignidade, ocorre o processo que se convencionou denominar de “humanização inclusiva”. A pessoa humana, assim, portadora de dignidade potencialmente satisfeita, tem as capacidades desenvolvidas para inovar, consumir, produzir e, resumidamente, contribuir com a edificação social.

Nesse sentido, a ruptura do ciclo da pobreza representa a liberação de individualidades de uma das mais dramáticas e irrazoáveis mazelas humanas. Ela significa, não só o potencial resgate de novas dignidades, mas também a inclusão de novas capacidades humanas. Em uma ideia, pode-se resumir a eliminação das prisões da miséria e da pobreza como a construção social de um novo ciclo de desenvolvimento econômico. É dizer que a eliminação dessas barreiras é um pressuposto para a prosperidade.

Mas, além da carência pura e simples de bens e serviços necessários à concretização da Dignidade, a desigualdade social também representa um entrave ao desenvolvimento econômico e social na medida em que ela faz com que se rompam os liames coletivos de colaboração social, atuando como verdadeira barreira irrazoável à autonomia individual. Resumindo: quanto maior a desigualdade, maior a exclusão de capacidades individuais dos processos produtivos.

Ou seja, é do melhor interesse de todos os agentes econômicos que a pobreza e a desigualdade social sejam equalizadas. Assim, será possível desfrutar-se de um ciclo sustentável de crescimento econômico, em que a tônica seja no desenvolvimento individual, coletivo e social, para que seja viável a concretização de nossos maiores ideais democráticos: um Brasil Livre, Próspero e Justo.

Greenwashing e Corrupção.

O fenômeno do greewashing se dá sempre que mudanças cosméticas objetivando a manutenção de práticas insustentáveis sob a aparência da sustentabilidade são efetivadas. Isso é, sob o pálio de uma mudança marginal ou de simples marketing, atividades nocivas continuam sendo praticadas. Em outras palavras, pode-se afirmar que o greewashing é a corrupção do pilar ESG.

A transparência é o melhor antídoto contra o greenwashing, e a não é possível construir estruturas transparentes em ambientes corruptos. Em uma ideia mais simples, podemos afirmar que estão eivadas de insustentabilidade as práticas que não deitem seus fundamentos nela.

A corrupção representa a mais grave ameaça à estabilidade democrática do Estado. Isso significa que sob estruturas corruptas, isso é, plenas de favorecimentos, privilégios e desvios, nenhuma sociedade consegue manter-se em harmonia. Essa conflituosidade gerada pela corrupção nasce da deficiência nas políticas públicas que aumentam a desigualdade social na medida em que impossibilitam a igualdade de oportunidades.

Nesse sentido, parcelas da população são excluídas do usufruto dos serviços públicos que deveriam ser prestados com qualidade (dentre os quais destacam-se a Educação, a Saúde e a Segurança) aumentando os atritos que nascem com essa inequidade, e determinando um baixo crescimento econômico devido aos prejuízos evidentes à livre iniciativa.

Além de sua vertente pública, em que há a predação e a captura das atividades estatais, a corrupção também pode ocorrer na esfera privada, em que indivíduos descumprem seus deveres e obrigações de convivência social, acarretando empobrecimento de toda a coletividade. Por isso que o combate, ostensivo e preventivo, à corrupção, além da importância capital já referida, também é importante pela simbologia e pela mensagem que passa, já que incentiva cada pessoa à justa execução de seus deveres éticos.

Portanto, o combate à corrupção, que deve ser realizado dentro dos ditames institucionais do Estado Democrático de Direito, há de ser harmonizado com a prevenção e é atividade essencial ao manejo democrático. Ou seja, o desmantelamento de estruturas corruptas, seja pelo manejo de mecanismos preventivos, seja de repressivos, é fundamental para que favorecimentos e privilégios sejam anulados, com extensão de maior equidade a toda a população.

Entretanto, para que a corrupção seja efetivamente desarmada, o aprimoramento institucional, com a construção de estruturas estatais e sociais mais justas e livres, há de ser permanente. Assim, com a conservação de instituições adequadas e com o melhoramento daquelas deficientes, as reformas devem sempre ocorrer, orientadas pragmaticamente pelas melhores práticas nacionais e internacionais.

Cultura de Paz

O conceito de Paz, essencial a quaisquer iniciativas que se queiram qualificadas como respeitantes ao pilar “ESG”, não pode ser aquele negativo, que diz respeito, tão somente, à ausência do estado de guerra ou de conflito. A Paz almejada enquanto intrínseca ao florescimento dos referidos empreendimentos é aquela positiva. Vale dizer que além de representar a ausência de conflitos injustificados, ela também diz respeito ao franqueamento de condições e iguais oportunidades à satisfação das necessidades básicas humanas.

Nesse sentido, para a sustentabilidade ambiental das atividades públicas e privadas, o pressuposto da equalização de conflitos, necessário à amenização das pressões sociais sobre o meio ambiente, é gritante. Pode-se exemplificar com a atual guerra em que a Rússia invadiu a Ucrânia e, com isso, acarretou quebras de suprimentos de, principalmente, hidrocarbonetos (petróleo, gás…), fertilizantes (potássio, nitrogenados, fosfatados, etc…), cereais e grãos. Assim, as demandas ambientais por esses produtos serão ainda mais incentivadas, ao invés de serem superadas pela inovação com técnicas mais sustentáveis.

Continuando nessa abordagem, e reafirmando que os vetores “ESG” são vértices de um mesmo sólido, entendemos, ainda, que a Paz, enquanto concretização dos Direitos Humanos, é constante da própria essência dos investimentos sustentáveis. O próprio conceito desses Direitos, que, vale ressaltar, pressupõe uma série de Deveres correlatos, destaca-se como sendo a concretização dos 5 direitos essenciais constitucionalmente previstos (Vida, Liberdade, Propriedade, Igualdade e Segurança), além dos deles decorrentes, que, resumidamente, significam igualdade de oportunidades.

Quando, por exemplo, para mantermo-nos nos efeitos nefastos do conflito Rússia X Ucrânia, há a exclusão de milhares de individualidades, e respectivas coletividades, com todas as suas capacidades e potencialidades, a sustentabilidade econômica e social dos empreendimentos “ESG” não é respeitada, produzindo, como subprodutos, a miséria, a carência, a violência e a corrupção. Em suma, é preciso frisar que a quebra da Paz é contrária aos Direitos Humanos e, portanto, à coluna “ESG”.

Dessa maneira, como a destruição da Paz contribui para o esgarçamento do tecido social, o ilícito e a corrupção, impulsionados pela “lei da força”, prosperam, e como ervas daninhas, sufocam as melhores iniciativas privadas e públicas. Ou seja, e retornando ao exemplo anterior de guerra no Leste Europeu, mas que facilmente poderia ser transposto para as realidades das periferias abandonadas brasileiras, milícias e outros grupos inescrupulosos prosperariam nesse cenário de anomia, injustiça e falta de Instituições, impossibilitando o desenvolvimento sustentável da região.

Ainda, a censura, a desinformação e o controle das Liberdades facilitam os processos de “greenwashing” (como visto, mudanças cosméticas que objetivam a manutenção de práticas insustentáveis sob a aparência da sustentabilidade). Pode-se retomar, destacando que a transparência é o melhor antídoto contra a corrupção, e a não é possível construir estruturas transparentes em ambientes em que a Paz não esteja presente. Em uma ideia mais simples, podemos afirmar que estão eivadas de insustentabilidade as práticas que não deitem seus fundamentos nela.

Resumindo, em cenários de anomia, violência, deficiência institucional e guerra, as coletividades envolvidas são aprisionadas em nefastas masmorras de estagnação econômica e social, em que as bases civilizacionais da prosperidade e da Justiça entram em decadência. Um fácil exemplo disso já pode ser observado com as estatísticas referentes aos índices de desenvolvimento humano da Ucrânia, da Rússia, e de todas as regiões envoltas em miseráveis conflitos…

Em síntese, podemos repisar que a Paz não só é desejável, como também é necessária à concretização das estruturas humanas e sociais fundamentais à atividade criativa e, assim, à inovação. Ou seja, a busca de uma cultura de Paz mediante o manejo de políticas públicas adequadas constitui elemento essencial às práticas “ESG” para que seja inaugurado um ciclo verdadeiramente humano de Desenvolvimento Econômico e Social.

ESG, Conflito e Brasil.

Há um estranho clima no ar… Vivemos os rescaldos de uma dramática crise pandêmica que, antes mesmo de seu controle, já apresenta sinais de reincidência, e que, de maneira turbulenta, deita suas garras por diversos outros setores da vida social, ameaçando, inclusive, a estabilidade e a paz global.. A economia se ressente desses efeitos, num ciclo de morosidade e desânimo. A catastrófica miséria, a gigantesca desigualdade social, o chicote inflacionário, a recessão, a guerra… Tudo nos leva a crer, desesperançadamente, que as trevas da carestia perdurarão indefinidamente.

Apesar dessas enormes turbulências, aparentemente intermináveis, por que passamos, concentramos uma ampla gama de oportunidades que podem, e devem, ser levadas em conta. Então, ainda que o cenário dramático pelo que passamos possa prejudicar nossa análise, a verdade é que o cenário externo, ainda com farta liquidez resultante dos diversos planos de estímulo econômico necessários ao combate dos efeitos econômicos da COVID, além da alta no preço das commodities, aliados à melhoria progressiva do ambiente negocial interno, aumenta a atratividade e a rentabilidade dos investimentos aqui realizados.

A verdade é que o Brasil conta com um amplo mercado interno capaz de sustentar um ciclo de prosperidade baseado no enorme consumo represado de nossa população. Ao mesmo tempo, a criatividade inerente ao brasileiro nos mostra que as saídas da crise podem se encontrar surpreendentemente próximas.  Dessa maneira, nosso agronegócio, coligado com as mais avançadas inovações tecnológicas, possui, nas agtechs, no desenvolvimento de fertilizantes orgânicos, além do agronegócio de precisão, por exemplo, alternativas para a ampliação da produtividade agropecuária de maneira harmônica com o meio ambiente. Ou seja, o Brasil pode sair fortalecido da crise dos fertilizantes… 

Essas iniciativas, ainda pouco festejadas, como as do chamado “pré-sal caipira”, biogás produzido a partir dos dejetos agropecuários, as inovações produtivas agroflorestais, os enormes potenciais para a geração de energia solar e eólica, podem, por exemplo, colocar o Brasil na vanguarda do desenvolvimento sustentável. No mesmo sentido, empreendimentos que sejam baseados na tecnologia, na pesquisa e na ciência, aparecem como alvos atrativos possibilitando a recepção de investimentos impulsionadores da prosperidade, conservação e recuperação da Natureza.

O agronegócio brasileiro é o setor da economia nacional que apresenta os maiores níveis de eficiência, estabilidade e dinamismo, fruto do árduo e disciplinado trabalho feito pelos atores participantes do setor, além daqueles coligados a ele. Esse trabalho sistemático, que se traduz em maiores benefícios às contas públicas determinando a responsabilidade fiscal do setor público nacional, é coordenado com a laboriosa pesquisa científica, de que são frutos as mais vantajosas inovações tecnológicas.

A verdade é que o agronegócio brasileiro é extremamente sustentável, competitivo e eficiente. Não podemos permitir que outras nações, carentes de eficiência produtiva, mantenham privilégios e distorções ao sadio comércio globalizado ao encampar medidas protecionistas sob o pretexto de protegerem a sustentabilidade ambiental ou os direitos humanos. É sabido, inclusive, que se medidas ambientalmente conservacionistas são tomadas sem a análise da realidade social, há um aumento prejudicial das pressões ambientais ensejado pelo aumento da miséria. Ou seja, os chamados “critérios ESG” necessitam ser materializados, de acordo com o até aqui defendido, como um único corpo de medidas que devem, concomitantemente, favorecer a sustentabilidade ambiental, a inclusão social e a transparência na governança.

Por outro lado, os leilões de projetos de infraestrutura, ensejarão a vinda de investimentos materializadores de trabalho gerador de riquezas e indutor da produtividade. Ainda, a situação mundial demonstra, como dito, excesso de liquidez em busca de portos rentáveis, pacíficos e seguros, de maneira a que o crédito seja impulsionado, levando à maiores investimentos produtivos aqui. Ao lado disso, surge também, favorecido pelas novas opções tecnológicas, o trabalho e o estudo transfronteiriços, ou seja, aqueles realizados em organizações situadas fora das nossas fronteiras nacionais, mas a partir daqui. Esses fenômenos, potencializados pelos adventos tecnológicos do 5G e pelo aprofundamento da globalização, trarão a inspiração para inovações e empreendimentos baseados nas melhores práticas do mundo. Entretanto, para que tais inovações tecnológicas vicejem de maneira a impulsionar o desenvolvimento econômico e social do Brasil, necessitam de terreno favorável ao seu desdobramento. 

Ou seja, as previsões amplamente pessimistas não devem atordoar os planos do povo brasileiro, já que não se atentam para as mudanças mais estruturais da economia. Entretanto, de maneira infeliz, não cresceremos acima dos patamares da mediocridade. Para a superação desse quadro de baixo crescimento econômico carregado de chagas sociais, são precisos maiores avanços nas melhorias do ambiente negocial brasileiro, na abertura comercial, na integração brasileira às Cadeias Globais de Valor, e no aprimoramento de nossas instituições normativas.

Com o aprimoramento de nossas instituições normativas e econômicas, no sentido da melhoria do ambiente de negócios e da capacitação individual e coletiva, o Brasil possui todas as condições para liderar um novo Ciclo de Desenvolvimento. Mas, para que isso ocorra, é preciso entendimento acerca de que a prioridade que a Educação deve gozar por parte dos cidadãos é a base indutora do Desenvolvimento Nacional, baseado na Inclusão, na Liberdade e na Justiça.

Isso significa um quadro institucional estável, eficiente e racional que privilegie o livre comércio, para que os melhores insumos e tecnologias sejam acessíveis aos nossos mercados, ao empreendedorismo, com a facilitação e desburocratização do ambiente negocial e do sistema tributário, e à educação, pela capacitação de nosso farto capital humano, e a ciência.

Essas instituições públicas, nascidas da ação privada, hão de pautar as políticas públicas dos governos, já que dependem, para que os mercados sejam abertos ao livre comércio, de uma série de ações que atentem para as relações exteriores, de maneira a que o Brasil, liderado pelo agronegócio, integre, em posição favorável, as cadeias globais de valor. 

É importante, entretanto, que esse marco institucional impulsionador do desenvolvimento nacional não se perca na ilusão estagnadora. O espírito reformista deve ser inerente à atuação política da sociedade civil em conjunto com o Estado. Assim, as instituições funcionais e eficientes necessitam ser conservadas, ao mesmo tempo em que as defeituosas carecem de gradual, porém constante, aperfeiçoamento. Explicando: a sociedade é regida por uma série de instituições normativas que determinam a maneira pela qual, se com maior ou menor sucesso, ela se desenvolve. Essas, originam-se das ações, coordenadas ou não, das individualidades e das coletividades, e, assim, refletem a escala de valores morais predominante. 

Dessa maneira, ao passo que o feixe institucional é originado das ações individuais e coletivas, ele, por sua vez, também as baliza, reforçando os padrões morais vigentes. É por isso que o espírito de constante aprimoramento as deve integrar: para que não reproduzam valores morais desconectados com a atual realidade social e ineficientes, o marco institucional, para impulsionar o desenvolvimento nacional, deve permanentemente passar por reformas e revisões de maneira a que as melhores práticas sejam conservadas, ao passo em que aquelas deficientes passem por melhorias.

Esse reformismo permanente das instituições normativas deve ser realizado politicamente, de acordo com os pilares axiológicos definidos pela democracia. Nesse ponto encontram-se as maiores falhas no processo de aprimoramento do marco institucional brasileiro. Grupos de interesse organizados buscam, maliciosamente, capturar o interesse público de maneira a enviesar a construção das instituições normativas de modo seletivo, para que privilégios sejam mantidos e reforçados.

  A seletividade, que consiste em selecionar grupos de interesse para receberem maiores privilégios institucionais, esconde-se, frequentemente, por detrás dos mais nobres pretextos. Assim, por exemplo, setores econômicos açambarcam toda a sorte de benesses fiscais e tributárias em nome do bem comum. Ela produz toda sorte de ineficiências e deturpações econômicas, já que as decisões econômicas, ao invés de privilegiarem a racionalidade, são distorcidas pelos favorecimentos institucionais.

Privilegiando, assim, setores econômicos deficientes, um quadro institucional falho aumenta as carências sociais, já que gradientes de crescimento econômico medíocres serão determinados e menos riqueza será produzida. Com a circulação produtiva prejudicada, setores sociais cada vez mais amplos são excluídos e marginalizados socialmente. A maior exclusão social determina, como referido anteriormente, a retirada de importantes individualidades do processo coletivo de criação. 

Nesse sentido, o aumento da exclusão determinado por um quadro institucional falho, determina um baixo gradiente da atividade de inovações. Dessa maneira, a inserção nacional perante as cadeias globais de produção será continuamente subalterna, o que leva a taxas pífias de crescimento econômico e à permanência do ciclo socialmente marginalizante com todos os problemas daí decorrentes. O que determina o desenvolvimento nacional é a qualidade de suas instituições normativas. 

Seguindo nesse pensamento, elas devem determinar a sustentabilidade das contas públicas, privilegiando, assim, a responsabilidade fiscal. Corolário dessa característica é a responsabilidade social que não pode ser descurada. Ou seja, setores sociais marginalizados devem ser incluídos para que contribuam efetivamente com a atividade inovadora agregada. Assim, com responsabilidade fiscal aliada à inclusiva igualdade de oportunidades, o Brasil integrará, em posição favorável, as cadeias globalizadas de produção.

A partir de instituições normativas eficientes e racionais, o ciclo de desenvolvimento nacional, então, finalmente será determinado. Dessa maneira, com a internalização de recursos e com o advento inovador de empreendimentos impulsionados pela melhor funcionalidade de nosso ecossistema empresarial, o Brasil pode entrar em um ciclo sustentável de desenvolvimento econômico e social, ao avançar na pauta de aprimoramentos institucionais. 

Cabe, portanto, ao cidadão, em seus misteres de fiscalização, participação e cobrança políticas, determinar a pacificação do cenário político e a estabilização institucional do país, com o avanço da agenda reformista que ensejará a responsabilidade fiscal, determinante da responsabilidade social. Ou seja, os critérios “ESG” representam uma grande oportunidade ao desenvolvimento brasileiro. Nesse sentido, dependemos da ação individual para a construção de um país muito mais Livre e, assim, Justo.

Só assim, pela atuação política da sociedade civil democraticamente construindo um quadro institucional eficiente, que o Brasil, liderado pelo agronegócio, atrairá satisfatoriamente maiores investimentos, aptos a fazer-nos aproveitar, de maneira ótima, um novo ciclo de prosperidade e desenvolvimento.

ANDRÉ NAVES

Especialista em Direitos Humanos e Sociais.
Defensor Público Federal. Escritor, Palestrante e Professor. Conselheiro do Chaverim, grupo de assistência às pessoas com Deficiência. Comendador Cultural.
Colunista do Instituto Millenium, além de diversos outros meios de comunicação. www.andrenaves.com