Uma notícia que costuma encher as manchetes e pautar discursos de governantes é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Celebrado como um sinal inequívoco de progresso, a vitória de um campeonato nacional cujo troféu seria a prosperidade. Contudo, e se essa métrica, tão reverenciada, for na verdade um ilusionista, um mestre em desviar nossa atenção do que realmente importa? A verdade, desconfortável e urgente, é que o PIB é uma métrica enviesada, e nossa fixação por ele nos afasta de um futuro verdadeiramente próspero.
O problema central do PIB é que ele é apenas um índice, que não possui coração nem consciência. Ele representa a soma de tudo, sem qualquer juízo de valor. Para entender essa distorção, não precisamos ir longe. Basta olhar para a nossa própria história e para o nosso cotidiano.
Na época do chamado “Milagre Econômico” brasileiro, entre os anos 60 e 70, o país exibia um crescimento do PIB que assombrava o mundo, com taxas anuais superiores a 10%. Éramos a nação do futuro. Contudo, por trás dos números vistosos, a desigualdade social explodia, a concentração de renda se acentuava e a repressão política criava um clima de medo.
A célebre frase do então ditador Médici — “a economia vai bem, mas o povo vai mal” — não foi um lapso, mas a confissão involuntária da falácia do PIB. O “milagre” foi para poucos, e a ilusão do PIB escamoteou a imagem pouco vistosa do bem-estar nacional.
Em nítido contraste, as últimas quatro décadas de redemocratização contam uma história radicalmente diferente. Nesse período, o Brasil não ostentou as mesmas taxas de crescimento do PIB, enfrentando crises e instabilidades. No entanto, o foco mudou da mera expansão econômica para a construção de um tecido social mais justo.
Foi a era da universalização da educação básica, um avanço monumental. A taxa de analfabetismo, que beirava os 21% em 1985, despencou para cerca de 5% em 2022, enquanto o investimento público em educação quase dobrou como proporção do PIB. Foi o período que viu nascer o Sistema Único de Saúde (SUS), um pacto civilizatório que, apesar de todos os seus desafios, garante acesso à saúde como um direito. Assistimos à implementação de políticas fiscais mais inclusivas e programas de transferência de renda que tiraram milhões da miséria. Em suma, o bem-estar da população aumentou, provando que o progresso real não depende de um PIB vistoso, mas de um compromisso genuíno com as pessoas.
Pensemos na mais recente crise global, a pandemia de Covid-19. Enquanto vidas eram perdidas e a saúde mental da população era devastada, a produção de máscaras, respiradores, medicamentos e, tristemente, até de serviços funerários, impulsionava setores da economia. Cada gasto com a doença, e não com a saúde, era um ponto a mais no placar do PIB. A métrica registrava a febre da atividade econômica, mas ignorava a dor do doente.
Essa lógica perversa se manifesta todos os dias. Quando um cidadão em São Paulo ou no Rio de Janeiro passa, em média, duas horas por dia preso no trânsito, ele está perdendo tempo de vida, de convívio e de descanso. No entanto, ele consome mais combustível, mais peças para o carro e talvez mais remédios para a ansiedade. Sua qualidade de vida despenca, mas a sociedade aplaude o aumento do consumo e do PIB.
Quando ocorrem tragédias ambientais como as de Mariana e Brumadinho, os custos humanos, ecológicos e culturais são imensuráveis. São perdas eternas. No entanto, os gigantescos gastos com as (muitas vezes insuficientes) obras de reparação e contenção de danos são somados positivamente ao PIB. A destruição gera uma “oportunidade” econômica que mascara a catástrofe subjacente.
Essa métrica é tão falha que ignora a própria distribuição da riqueza que ajuda a gerar. O Brasil pode comemorar um crescimento do PIB, mas isso diz pouco quando, segundo dados recentes, o 1% mais rico da população detém quase 50% de toda a riqueza nacional. O bolo cresce, mas continua concentrado nas mãos de pouquíssimos, enquanto a maioria se esforça para ter acesso às migalhas.
Já na década de 1970, o economista Richard Easterlin formalizou o que o bom senso já sugeria: em uma nação, um PIB per capita mais alto não se correlaciona necessariamente com um aumento na felicidade média da população. Esse “Paradoxo de Easterlin” se soma ao alerta do próprio criador da métrica, Simon Kuznets, que nos anos 30 advertiu que “o bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido a partir de uma medida de renda nacional”.
E o que dizer do que o PIB é incapaz de medir? O trabalho de cuidado não remunerado, que sustenta famílias; o voluntariado, que constrói comunidades; a sabedoria dos nossos anciãos, que tece nossa cultura — toda essa imensa riqueza que dá sentido à vida é invisível para ele.
A questão que se impõe é de uma simplicidade desconcertante: o que realmente queremos medir? Se nosso objetivo é uma sociedade mais Justa, Saudável e Feliz, precisamos de novos marcadores. Precisamos nos guiar pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), pela redução das desigualdades medida pelo coeficiente de Gini, por indicadores de sustentabilidade ambiental, de saúde mental e de confiança nas instituições.
No fim, a lição é clara: a atividade econômica deve ser, sempre e incondicionalmente, vinculada à Inclusão Social. Não se trata de negar a importância da economia, mas de devolvê-la ao seu devido lugar: como uma ferramenta para potencializar as iniciativas humanas e desenvolver as capacidades individuais.
O verdadeiro progresso não se mede em pontos percentuais de crescimento, mas na capacidade de uma nação de nutrir os talentos de cada cidadão e de garantir que todos tenham a oportunidade de florescer.
Mede-se pela construção de estruturas sociais em que todos possam se dar as mãos, e em que a prosperidade de um não signifique a miséria de outro. Uma sociedade onde, de fato, ninguém fique para trás. A verdadeira riqueza de uma nação não reside na frieza de um número, mas na dignidade de seu povo, na força de suas comunidades e na harmonia com o planeta.
É hora de abandonar as ilusões do PIB e manter acesa a chama da Esperança por um mundo mais humano, onde a economia finalmente sirva à vida, e não o contrário.
André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
Conselheiro do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
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