Autor: Andre Naves

Saudades…

Saudades…

Agora… Até coloquei Laufey para tocar.

A voz dela é meio bossa nova, sabe? Dá um clima legal! Na verdade, ainda não sei bem como começar, pai. Escrever pra você é como jogar conversa pro Universo, mesmo que no meio da sala — lembro do sofá agora vazio, sinto as palavras fugirem feito passarinho…

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Formigas de União!

Tem dias em que a gente sai pra andar sem rumo, mas o coração, teimoso que só, já sabe onde quer chegar. Foi num desses feriados de sol frio que eu e a Ana Rosa saímos pra flanar, pra deixar os pés nos guiarem pelas ruas de um bairro que, naquele dia, não era um bairro, era um templo.

A Rua Caraíbas já tremia antes mesmo de a gente chegar. Era um mar de gente, um rio verde e branco que transbordava das calçadas e dos bares. De longe, já se ouvia o canto que arrepia e o batuque que faz o peito tremer junto com o chão.

Era a torcida, aquela que canta e vibra, apinhada num só corpo, tentando espiar entre uma cabeça e outra o jogo que passava nos telões dos botecos… Copa do Mundo de Clubes. O nome já vinha carregado de um peso, de uma distância.

E lá dentro, e lá fora, em cada roda de amigos, a conversa era uma só… A gente olhava para os estrangeiros, os adversários, como quem olha para gigantes. Eram os bichos-papões, as figuras imbatíveis que, no fim da história, sempre ganhavam. A gente, bom… a gente tava ali pra cumprir tabela, pra encher a festa dos outros.

É um sentimento esquisito, esse de se sentir formiga. Uma sensação de que, não importa o esforço, a dedicação, a paixão, a gente já entrava excluído de toda esperança. E era tão maluco isso! Tínhamos invadido Nova Iorque, Miami, a América inteira! Nossas cores pintavam estádios em terras distantes, nossa voz ecoava mais alto que qualquer outra.

Mas, ainda assim, éramos as formigas.

Mas aí, meu amigo, é que mora a beleza que só a caminhada revela. Olhando para a rua, o clube, aquela multidão, eu vi o nosso verdadeiro superpoder. Vi a gente jovem, com o rosto pintado e a energia de quem pode mudar o mundo, abraçada com os de cabelos brancos ao vento, cujos olhos já viram tantas batalhas, tantas glórias e tantas dores.

Vi o diverso se tornando um. Vi o plural enriquecendo o todo.

Ali, naquele canto que passava de boca em boca, estava a herança mais bonita. Aquela tradição que não se aprende em livro, mas que se recebe no colo do pai, no grito do avô, na emoção da mãe. A tradição de se unir, de juntar as vozes, os corações, as esperanças, e entender que essa mistura é o que nos faz Povo. É o que nos dá força. É o nosso verdadeiro escudo.

E no fim das contas, não é que os gigantes, com toda a sua pose e fama, começaram a derreter? Pareciam feitos de açúcar em dia de chuva. A força deles, que parecia inabalável, era frágil perto da nossa fé coletiva.

E as formigas? Ah, as formigas cresceram. Cada passe certo em campo era um passo a mais na nossa estatura. Cada defesa era a muralha da nossa união se erguendo.

A União prevaleceu. A Vitória veio.

Ali, parado no meio da festa, de mãos dadas com a Ana Rosa, eu vi o ensino do futebol… A gente pode até começar a jornada se sentindo pequeno, desacreditado, com o mundo inteiro apostando contra.

Mas quando a gente se junta, quando a fé de um se soma à fé de milhões, a matemática muda.

É… Aquele dia me ensinou, com o grito mais alto que já ouvi: 1% de chance, quando se tem D’us e um povo unido, é 100% de certeza.

Fazendão

Óia, pisar nas Arcadas pra mim é que nem entrar em capela antiga, sabe? Dá um arrepio bão na espinha. Aqueles corredor comprido, a moçada nova aprendendo as lei, parece que a gente ouve o eco dos tempo de antes.

E lá tava eu, lambendo a cria, numa dessas prosa de gente estudada, falando da defesa dos pequeno, das minoria.

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O Ouro do Cinza

Hoje amanheceu do jeito que mais me apetece. Sabe o céu cor de chumbo, o friozinho gostoso? Pois é, hoje era um desses. E eu, particularmente, gosto muito. Tem gente que só vê beleza no céu azul de brigadeiro, no calor do mergulho. E não tiro a razão, são lindos mesmo. Mas o cinza tem seu valor.

Eu tava caminhando como de costume, e os pensamentos avoavam. A cabeça, às vezes, parece uma mossoroca que a gente só desembaraça andando. Decidi dar uma pausa, sentei num banco ali perto da Alameda dos Campeões, no nosso Palmeiras.

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Cavalo – O melhor amigo do Homem!

Tem certas Bênçãos na vida que chegam de mansinho, sem a gente esperar, feito orvalho na folha seca, e que, de repente, transformam o nosso chão. Eu, que sempre tive o pé fincado na roça, na simplicidade do campo, pensava que já conhecia os segredos da terra e a Sabedoria do Agro.

Sabia da tecnologia que brota do suor, da sustentabilidade que abraça a natureza, da inclusão social que floresce nas cooperativas. Mas a vida, essa mestra que nos surpreende a cada curva, guardava um tesouro que eu nem imaginava, um caminho de cura que vinha do mais puro coração do campo: o cavalo, o melhor amigo do homem, e da minha Alma.

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Milagres

Que a luz do Divino ilumine cada recanto da nossa alma, e que a melodia da Esperança embale as memórias que, como rios caudalosos, moldaram o nosso ser.

É com o coração em prece e a alma em festa que me debruço sobre o milagre da recuperação, uma história que é um testemunho vivo da força da fé, do amor que transcende o visível e da mão do Altíssimo que guia os passos da gente.

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A Hora da Verdade

No silêncio acolhedor de uma manhã que misturava o antigo e o novo, José se via diante de uma tela que mais parecia uma janela para o seu passado. Recém-promovido CEO da maior corporação brasileira de agronegócio, ele não conseguia escapar do perfume envolvente de café e bolo de fubá – uma experiência sensorial que, assim como a madeleine de Marcel Proust, o fazia viajar de volta às lembranças da infância, àquelas tardes morenas onde dona Tereza, a copeira, preparava com tanto carinho os aromas que agora se tornavam tão inevitavelmente humanos.

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Disciplina e Inspiração

A construção de uma Sociedade Economicamente Forte e Socialmente Justa passa, necessariamente, pela edificação de estruturas que promovam a Inclusão, o incentivo à Criatividade e a Inovação de forma sustentável. Basta olhar para as manifestações da rica cultura brasileira: temos o samba, que nasceu da resistência, da colaboração e da alegria compartilhada mesmo diante das adversidades; a capoeira, que mais do que um movimento, simboliza a luta, a adaptabilidade e a superação dos desafios impostos por uma história de desigualdades; e diversas festas regionais que evidenciam um povo que, através da união e da disciplina, transforma o esforço diário em celebração da vida e da diversidade.

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Rua Nascimento Silva, 107

“Minha filha… Isso faz uns 30 anos e lá vai fumaça!” Dona Terezinha do Badoca, muito amiga da vó Rosinha, sempre falava isso. Lembro daquelas broas de mandioquinha que ela fazia… Quando saíam do forno… Manteiga derretendo… Cafezinho… Bolo de fubá… E eu ali: rouco de tanto ouvir.

            Sempre que ela falava no tempo dos antigo, ela usava essa expressão… “Lá vai fumaça!”… Uma versão mais pitoresca do “tempo do onça” ou “do guaraná com rolha”! Mas duas senhorinhas, amigas desde a infância lá em Minas, só falavam de um tempo da fumaça…

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Impunidade – Uma Violação Inaceitável aos Direitos Humanos

A impunidade se revela como um dos maiores entraves à consolidação dos Direitos Humanos, despojada da promessa de dignidade e autonomia que deveriam permear cada aspecto da vida em sociedade. Ao assumir o papel de catalisador do descaso institucional, ela não apenas fragiliza o pacto social, mas torna a própria existência humana refém de um sistema que falha em responsabilizar os indivíduos por seus atos.

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Brasil: A Criatividade que Nasce da Diversidade e Almeja a Inclusão

O Brasil foi reconhecido como o primeiro “País Criativo do Ano” (Creative Country of the Year) no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions 2025. Não foi por acaso. A honraria reconhece o que nossos olhos já veem há séculos: a potência inventiva de um povo que transforma adversidades em soluções, tradições em inovações e diversidade em riqueza coletiva. Nossa criatividade é filha legítima da mistura de raças, culturas e biomas — um caldeirão onde o verde das florestas, o azul do céu e o brilho do sol se fundem ao sorriso aberto e à resiliência de quem sabe que a vida, mesmo dura, pode ser reinventada. 

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Inclusão Social e Sustentabilidade no Agro Brasileiro

O agronegócio brasileiro vive um momento de transformação sem precedentes, no qual a inovação tecnológica e a bioeconomia se entrelaçam para redefinir não apenas a produtividade do campo, mas também os paradigmas de inclusão social e desenvolvimento humano. Entre 2019 e 2024, o número de startups agrícolas (agtechs) saltou de 1.125 para 1.972, impulsionando uma revolução que ultrapassa a esfera econômica para atingir diretamente indicadores sociais. Cidades como Sorriso (MT) e Lucas do Rio Verde (MT), epicentros do agro nacional, viram seus Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) subirem 44% e 40%, respectivamente, nas últimas décadas, contrastando com a estagnação de regiões desconectadas dessa dinâmica. Este avanço, no entanto, não é mero acaso: ele reflete um modelo em que tecnologia, políticas de inclusão produtiva e transição energética convergem para construir uma sociedade mais equitativa.

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Inveja e Evolução

Sabe aquele dito da roça, “inveja mata”? Pois lá nos antigamente mesmo, foi capaz de ser assim – Caim de olho no irmão, não deu outra: sangue no terreiro, o primeiro crime da história. A coisa era feia, não tinha papinho de perdão, não. Mas o tempo vai passando e, de grão em grão, a gente aprende um tanto.

Vê só o caso do José, aquele dos sonhos coloridos e casaco todo chique. O povo da família, roído de inveja, não teve coragem de acabar com o irmão feito Caim. Jogaram ele num buraco, venderam feito gado no leilão. Já melhorou um pouco: deu tempo de contar história depois. E olha que da desgraça saiu coisa boa. Virou gente grande lá no Egito, salvou meio mundo de passar fome. A vida tem dessas: aperta, mas ensina.

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Sarney, o herói da Democracia!

24 de abril de 1987: a festa do meu aniversário começava com o tema dos Smurfs. Era o meu aniversário de 6 anos.

Lembro-me de ser perguntado sobre qual eu gostaria que fosse o tema da festa. Respondi de pronto: quero uma festa do Sarney! Eu já me imaginava de terninho, cabelos bem penteados com gel, bigodinho falso e faixa presidencial de papel crepom verde e amarela. Imaginem só eu recebendo os convidados falando, com sotaque maranhense “Brasileeeiros e brasileeeiras”?

Meus pais já conheciam das minhas excentricidades… Nunca tive festa de Sarney nenhum. Pelo contrário. Foi dos Smurfs, e eu que ficasse feliz. Ainda bem que eu adorava o papai Smurf!

O mesmo dia 24 de abril de 1987, eu nem imaginava, era a data do aniversário do meu ídolo, José Sarney. Na época, sua popularidade já estava arranhada pelos desdobramentos político-sociais do Plano Cruzado, mas eu não tinha nem ideia disso.

Na verdade, pra mim, ele era o Sarney, presidente da República, de liderança, habilidade e cultura invejáveis. Fora o meu pai, era o homem mais inteligente do Brasil, pensava eu. Só podia ser! A gente não escolhe qualquer um para ser Presidente, imaginava eu na minha inocência infantil…

Fui crescendo, estudando, e percebendo que minha admiração era uma intuição da realidade. Na verdade, a importância do Sarney foi muito maior do que eu poderia imaginar. Àquela altura, na faculdade, ele era um tipo de Geni: parecia que tudo de errado que dava no Brasil vinha dele. Quando perguntavam quem tinha sido o melhor presidente do Brasil eu, envergonhado e com medo das críticas, preferia silenciar.

FHC ou Lula? A turma, na época só costumava se dividir entre esses dois. Eu tinha um amigo, verdade seja dita, que contra tudo e todos, defendia o Collor. Como ele também falava bem da Erundina, ninguém nunca levava ele muito a sério… Passado um tempo, parecia que a escolha de quem teria sido o melhor havia se sedimentado em três opções, FHC, Lula e Temer… Um tempinho depois, um bando de aloprados tentou me convencer até do Bolsonaro!

Curioso, perguntava eu para meus botões, é que ninguém fala do Sarney… Nelson Rodrigues e o eterno complexo de vira-latas do brasileiro talvez expliquem… Talvez a traumática morte de Tancredo Neves, que gerou uma ilusão idealista que contrastava com a realidade pragmática do governo, deixou uma sombra indelével sobre o Sarney…

Com a morte de Tancredo, as cadelas no cio do autoritarismo, fizeram de tudo para impedir a redemocratização brasileira. Se essas cadelas continuavam no cio por volta de 2020, imaginem só como estavam em 1985? Esses setores sociais, sempre de alguma forma privilegiados, queriam obstaculizar diversas conquistas sociais que viriam no bojo da Constituição Democrática de 1988. Queriam manter grandes parcelas populares presas nas masmorras da miséria.

Conquistas, como a promoção dos Direitos Humanos, a Inclusão Social, os direitos e garantias ao povo trabalhador e as diversas expressões da Proteção Social, que vinham sendo construídas politicamente (e continuam sendo nos dias de hoje) corriam riscos imensos de serem novamente bloqueadas. Vale lembrar que por Democracia entende-se a vontade da maioria, que respeita a dignidade dos grupos minorizados, sempre buscando a concretização ampliadora dos Direitos Humanos.

Ou seja, Democracia não é somente o direito de votar e ser votado. Ela é muito mais que isso: diz respeito à própria viabilidade social, individual e coletiva! Por isso que tentativas de golpe ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito não podem ser anistiadas: é que elas têm por objetivo excluir parcelas significativas da população, e aprisioná-las com os grilhões da carestia e da iniquidade.

Naquele clima de barata voa da morte do Tancredo, o presidente Sarney não se acovardou! Garantiu e matou no peito qualquer tentativa de retrocesso autoritário. Garantiu a redemocratização, garantiu os Direitos Humanos, garantiu a possibilidade de Inclusão Social. Foi ele que, com faro e pragmatismo político, conseguiu forjar um arco de alianças capaz de isolar os setores sociais mais autoritários e de assegurar o processo de redemocratização brasileira.

Acredito que, para muitos, foi muito aquém do ideal. Mas eu penso que a Inclusão Social e os Direitos Humanos são construções coletivas, feitas no dia-a-dia, por todos nós. Nesse sentido, o Presidente Sarney soube navegar os revoltos mares políticos para conquistar, não uma perfeição ideal, mas uma possibilidade real que possa ser, diariamente, trabalhada, ampliada e melhorada por todos nós!

Eu não sei se algum dia o Presidente Sarney vai chegar a ler, ou ter conhecimento, desse texto. Entretanto, eu adoraria agradecê-lo efusivamente por ter sido, e continuar sendo, um grande herói, e artífice, da Democracia brasileira.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

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Papa Francisco – O Serviço pela Escuta

Desde o início de seu pontificado, Papa Francisco apresentou ao mundo uma nova forma de liderança espiritual: humilde, próxima, profundamente humana. Longe da ostentação e da rigidez institucional, seu modo de atuar é marcado por uma virtude revolucionária na prática e no simbolismo: a escuta. Em vez de se posicionar como aquele que detém todas as respostas, Francisco escolheu o caminho da atenção sensível ao outro, reconhecendo que o verdadeiro ensinamento nasce do encontro sincero com as dores, as alegrias e as esperanças do próximo, especialmente dos marginalizados, na construção coletiva de caminhos de justiça e inclusão. Essa postura não é apenas um método de comunicação, mas uma teologia encarnada, que reconhece a dignidade e o protagonismo dos excluídos como centrais para a transformação social.

Francisco não ensina por imposição, mas por convivência. Sua escuta é ativa, comprometida, visceral. Ele não ouve apenas para responder, mas para compreender, para se deixar tocar e transformar. Essa postura é fruto de uma trajetória forjada nas margens de Buenos Aires, nas “franjas” da sociedade, onde conviveu com o sofrimento humano em sua forma mais dramática. Lá, aprendeu que a realidade social pode ser cruelmente excludente e amarga – e que qualquer transformação verdadeira só nasce quando se parte do concreto, da experiência vivida, do clamor dos invisibilizados.

“Sujando os pés no barro da realidade”, percebeu que a justiça não se decreta – ela se constrói a partir da escuta das vozes silenciadas. Em encontros com comunidades faveladas, refugiados ou indígenas, ele não chega com soluções prontas, mas pergunta: “O que vocês precisam? Como a Igreja pode caminhar ao seu lado?”. Essa disposição de aprender com o outro desmonta hierarquias e permite que a mensagem cristã frutifique em respostas concretas, como políticas de inclusão ou denúncias contra a economia que mata (cf. *Evangelii Gaudium*). 

O Papa caminha com os pobres não para lhes ensinar a salvação, mas para, junto deles, encontrar caminhos de justiça e libertação. Sua missão é a de servir, e seu serviço é a inclusão. Ao ouvir os excluídos, Francisco reconhece neles não apenas destinatários de ajuda, mas sujeitos plenos, dotados de voz, saber e dignidade. Sua escuta é, portanto, um ato profundamente político e espiritual: é a ferramenta por meio da qual constrói, coletivamente, uma cultura do encontro, que valoriza o protagonismo de cada pessoa e comunidade.

As viagens pastorais de Francisco são ilustrações poderosas dessa escolha radical. Longe dos palácios vaticanos, ele prefere as favelas, os campos de refugiados, os hospitais, os presídios. Não teme sujar sua batina com o barro das vielas – ao contrário, ele busca essas marcas como símbolos de um sacerdócio encarnado na realidade. Em sua visita à comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, sintetizou essa postura de forma singela e profundamente significativa: “basta colocar água no feijão”. Com essa frase, ele exaltou o verdadeiro “jeitinho brasileiro” – a solidariedade – como expressão de esperança e partilha em meio às dificuldades.

Essa prática pastoral encontra eco e coerência no pensamento teológico de Francisco. Suas encíclicas – entre as quais se destacam Laudato Si’, Fratelli Tutti e Evangelii Gaudium – são verdadeiros tratados sobre os desafios contemporâneos. Nelas, ele reflete sobre o cuidado com o meio ambiente, a centralidade do trabalho, a importância da saúde mental e emocional, a urgência de políticas inclusivas e a necessidade de um novo pacto social baseado na fraternidade universal. Mas mesmo nesses escritos, o tom não é de quem dita verdades absolutas: é de quem convida ao diálogo, à escuta mútua, à construção coletiva.

O serviço pela escuta, promovido por Papa Francisco, é, portanto, um chamado à conversão das consciências. Trata-se de um modelo de liderança que não se sustenta na força do poder, mas na força do amor. Um amor que se traduz em escuta verdadeira, em presença concreta, em ação comprometida com a justiça e com a dignidade de todos – especialmente dos mais esquecidos. O Papa não aponta o caminho: caminha junto. E, com isso, ensina que a Igreja – e o mundo – só serão verdadeiramente humanos quando forem também verdadeiramente inclusivos.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

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Sonhos

Sonhos

            A arapuca de Caim fez com que Abel ficasse vulnerável aos seus golpes. No momento da pedrada final, Esaú desperta. Abre os olhos. Tudo fora um sonho… Caim? Abel?

            Senta na cama. Olha o celular… 03:33… Aviso? Coincidência? As luzes da cidade já se apagaram… Até elas! Puxa vida! Insônia logo hoje!

            E na madrugada, quando os tigres vêm atazanar nosso sono, Esaú levantou. Apertou o botão da Nespresso. O cheiro do café… Pena não ter aquele bolo de fubá que a vó Sara fazia sempre que o vô Abraão recebia visitas…

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“Adolescência”: A Responsabilidade Individual em Meio ao Caos Estrutural

Muito já se falou, e muito ainda há de se falar, sobre o seriado “Adolescência”. A produção, que retrata com crueza a violência juvenil, já foi esmiuçada sob diversos ângulos: a comunidade hostil, a educação precária, o bullying, a influência nefasta das redes sociais e a desestruturação familiar. Todos esses fatores, sem dúvida, contribuem para a formação de um ambiente propício ao crime. No entanto, há uma dimensão que tem sido negligenciada nas análises: a responsabilidade individual. 

É verdade que uma sociedade violenta e uma escola falida podem criar condições para o surgimento de doenças sociais, como a intimidação e a agressão entre jovens. Mas isso não significa que o indivíduo esteja fadado a sucumbir a esse ciclo. A individualidade – esse conjunto único de aptidões, potencialidades e limitações que cada um carrega – é justamente o que nos permite resistir às piores circunstâncias. Alguns têm talento para a música, outros para o esporte; há os que possuem sensibilidade aguçada, e há os que, por enquanto, não descobriram nenhuma habilidade específica. E tudo bem. A diversidade é a essência da humanidade. 

Vivemos em comunidade justamente porque nossas forças e fraquezas se complementam. A vida coletiva só faz sentido quando cada um é respeitado em sua autonomia, em sua capacidade de escolha. E é aí que entram os Direitos Humanos: não como um escudo para justificar a irresponsabilidade, mas como um instrumento de emancipação. O verdadeiro respeito aos Direitos Humanos não está em infantilizar o indivíduo, tratando-o como vítima eterna das circunstâncias, mas em reconhecê-lo como protagonista de sua própria história. 

Por isso, causa estranheza – para não dizer indignação – ver análises que transferem a culpa do criminoso para a “estrutura social”. Sim, a comunidade tem sua parcela de responsabilidade. Sim, a escola, a família e as políticas públicas falharam em muitos aspectos. Mas quem cometeu o crime, quem alimentou a fogueira do ódio, quem escolheu o caminho da violência foi o indivíduo, e só ele. Tentar diluir essa responsabilidade é reduzir a pessoa a um mero fantoche do meio, é negar sua capacidade de agência. E nada é mais antiético, mais contrário aos Direitos Humanos, do que essa visão que transforma seres humanos em eternos coitados, incapazes de responder por seus atos. 

Direitos Humanos não são – e nunca foram – sinônimo de impunidade. Pelo contrário: quem é livre para agir deve ser responsabilizado por suas ações. Essa poderia ser a síntese dos Direitos Humanos e a base de qualquer sociedade que se pretenda Justa. 

P.S.: A série acerta ao retratar as instituições policiais e judiciárias com equilíbrio. A lei é implacável, mas justa; a repressão ao crime é eficiente, mas dentro dos limites éticos. É assim que se faz segurança pública: sem abrir mão dos Direitos Humanos – porque, no fim das contas, o maior direito de todos é viver em uma sociedade onde cada um tem a Liberdade de Responder por suas escolhas.

André Naves

Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

Conselheiro do Grupo Chaverim, Embaixador do Instituto FEFIG e Amigo da Turma do Jiló.

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Perseverança

            No mundo da literatura tem uma lenda tão asquerosa que me arrepia sempre que penso nela. Camões sofreu um naufrágio (na verdade, ele tripulava um barco que foi devorado pelo mar)…

Naquele clima de barata-voa, no corre-corre do “deusnosacuda”, ele correu para salvar “Os Lusíadas”, e deixou sua “amada” Dinamene, uma Alfonsina ancestral, ter como tumba a pacífica imensidão azul…

            Se essa história torta sobreviveu a todos os cataclismas, ainda hoje sendo contada de boca em boca, é que muita gente acredita que essa incivilidade traiçoeira seja um ato de heroísmo travestido.

Eu, tão ufanista como qualquer Policarpo, sempre admiro as vantagens brasileiras, desde suas raízes também lusitanas. Admirar Camões já é pedir demais!

            Sabe, não me importa que o cidadão escreva os maiores tesouros da última flor… Ele é um lixo de ser humano! Pelo menos ele perdeu um olho na confusão… Camões, o caolho d’Os Lusíadas, que deixou a covardia vencer e perdeu o mais valioso tesouro…

            Mas a gente nunca pode desistir de buscar o entendimento… Lixo também aduba!

Ao que parece, ele se arrependeu. A partir daquilo, sua pena começou a homenagear o Amor. Igual um lobo, uivando para a Lua, ele parece, nos versos dos sonetos, procurar o olhar de sua Dinamene… Olhar submerso, salgado… Lágrimas e mar… Quanto do sal que tempera o mar são lágrimas portuguesas?

            Se pelo menos o tempo voltasse… Mas ele é implacável! Tão grande Amor para tão curta vida! Séculos depois, um outro poeta português, esse sim, enorme em honra e sensibilidade, parecia dialogar com Camões, perguntando:  “Valeu a pena?”…

            Soneto 29 de Camões. De verdade! Nunca li nada tão lindo! O tema é conhecido… Jacó trabalhava para Labão. Amava Raquel. Depois de sete anos, Labão o fez casar com Lia… E Jacó perseverou por outros 7 anos buscando os favores de Raquel, e dizendo que, feliz, ainda trabalharia mais sete se “Para tão longo amor, (não fora) tão curta a vida!”

            Camões, o caolho arrependido! Daria tudo para voltar no dia fatal. Lá seria perdido o maior poema épico ocidental desde a Antiguidade! Os argonautas se perderiam nas brumas do olvido… O velho do Restelo se calaria… O gigante Adamastor ruiria…

            Nesse dia, Dinamene, como uma Raquel, como uma matriarca amorosa e bela, perdoaria… O perdão de quem enxerga.

            No fim, ela teria essa beleza da mulher…

Perseverança e perdão!

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

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O Código Brasileiro de Inclusão:  Avanço em Tempos de Retrocessos

Em um cenário político marcado por retrocessos nas pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), a iniciativa do deputado federal Duarte Jr. (Maranhão) de querer propor o Código Brasileiro de Inclusão surge como um contraponto essencial, reafirmando o compromisso do Estado com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Enquanto setores retrógrados insistem em desconsiderar a importância de políticas inclusivas, essa proposta demonstra que a eliminação de barreiras sociais e ambientais não é apenas uma questão de mera civilidade, mas, acima de tudo, também um potencializador de desenvolvimento econômico e de inovação.  A sociedade que garante a participação plena de todos os cidadãos, independentemente de suas diferenças, estimula a criatividade e a pluralidade de ideias, elementos fundamentais para o progresso econômico e social.

Quando pessoas com deficiência, neuro divergentes e de outros grupos marginalizados têm suas opiniões consideradas e suas potencialidades reconhecidas, o mercado de trabalho se fortalece, a livre iniciativa se expande e a economia se beneficia de talentos que antes eram subutilizados.

Assim, o eventual novo Código Brasileiro de Inclusão, ao sistematizar e unificar os diversos dispositivos constitucionais e legais já existentes – como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a Lei Berenice Piana (que trata sobre os direitos das pessoas do transtorno do espectro do autismo) e a Convenção de Nova Iorque sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, entre tantas outras… –, cumpre um papel fundamental: tirar a lei do papel e transformá-la em políticas públicas efetivas, que tratem de produzir efeitos concretos na realidade.

Além disso, a consolidação dessas normas em um único diploma legal facilita o acesso ao conhecimento e a aplicação dos direitos, tanto pela população quanto pelos operadores do sistema jurídico. Advogados, Defensores Públicos, membros do Ministério Público e do Judiciário ganham um instrumento mais claro e coerente, agilizando a defesa dos direitos das pessoas com deficiência e promovendo maior segurança jurídica.

Portanto, a elaboração do Código Brasileiro de Inclusão representa um avanço civilizatório, reafirmando os princípios constitucionais de igualdade e dignidade humana. Em um momento em que pautas inclusivas enfrentam resistência, essa iniciativa se destaca como um farol de esperança, mostrando que é possível – e necessário – construir uma sociedade sem exclusão, mais livre, justa e democrática. A luta por inclusão não é apenas um dever do Estado, mas um caminho inevitável para um futuro mais próspero e humano.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

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Milagres

            Eu já contei pra vocês, mas não custa repetir, que as caminhadas são parte da minha vida. Nelas que eu proseio com D´us, penso, organizo as minhas pendengas da mente… É caminhando que eu me entendo comigo mesmo e com Ele!

            Dia desses, lá na esquina da Diana com a Palestra Itália, eu reparei em algo que sempre esteve lá, mas eu nunca tinha enxergado! Sabe quando a gente se acostuma com a paisagem, e em vez de descobrir o extraordinário no ordinário, a gente faz justo o contrário? A gente se acostuma… Vira rotina… A gente diminui tudo de mais extraordinário em algo simplesmente comum… Ordinário!

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