O Passeio

O Passeio

O Passeio

            Sexta-feira. Calor de dezembro. O Sol já buscava abrigo para deixar a Lua e as estrelas reinarem. Moyse pediu licença para seus amigos e começou a se aprontar. Era um passeio que tinha sido meticulosamente planejado.

Lembrou do que sua avó sempre falava: “Quando o Homem faz planos, D´us ri!”.

Será que vai dar certo? Será que a gente deve? Será que não tem problema? Sua esposa, Chaya, ia se questionando em voz alta enquanto arrumava o comboio.

Daniel ainda queria terminar a partida de videogame. Moyse ralhou. Você nem devia ter ligado isso! Vá para o carro, já!

O pequeno Benny, coitado, ainda estava na idade de ser só conduzido, nunca conduzir.

A dona Rivka, avó de Chaya, estava receosa… Será? Por outro lado, tudo é tão lindo, tão mágico… O Altíssimo não ia permitir tanta Beleza se não fosse boa… Muito boa…

Todos no carro. Dúvidas e expectativas. Moyse afirmava que ia ser muito bom. Ele era a animação em pessoa. Comerciante da Santa Efigênia, já tinha vislumbrado alguns daqueles enfeites… Queria, muito, mostrar aquele deleite para os seus!

Quem quer compartilhar a Beleza deve entender que ela está no coração de quem vê! Ela não é externa, está dentro de nós.

Seu avô sempre contava de um rabi, há milênios, que andava pela Terra Santa. Na beira do caminho, a carcaça em decomposição de um cachorro. Todos os seus companheiros de viagem se enojavam. Terror! Que cena horrível! Ele apenas olhou… Nunca se viram dentes tão alvos e lindos em todo o Reino!

As saudades perfumaram suas memórias… Pensou na avó e no avô uma vez mais… Será que eles gostariam do passeio? O que falariam?

Moyse entendeu, como seu pai sempre ensinava, que se ele quisesse que todos gostassem, deveria, ele mesmo, gostar antes e dar o exemplo! A vida é assim! Quem quer iluminar deve ser Luz, e aí, ver o milagre acontecer… Um… Dois… Três… Oito…

No carro, ainda na Brigadeiro, rumo à Paulista, dona Rivka olhou para os carros presos em um engarrafamento e exclamou com a Beleza iluminada da cidade nessa época. Luzes por todos os cantos! Um turma de médicos e enfermeiros vinha descendo… Jalecos brancos lembravam a neve da Bessarábia!

Uma lágrima escorreu… Ela pensou em como Aram a fizera feliz naqueles bosques gélidos como algodão… Depois, o cinza e o vermelho emporcalharam a paisagem e causaram tanta dor, tanto sofrimento…

Mas a memória de Aram continuava limpa e pura…

Muito obrigado, Moyse! Amo você! Amo todos vocês, minha família!

Paulista iluminada! Beleza enorme! Gente na rua! Gente cantando! Benny chora! É a fome! Será que não teria sido melhor ficar em casa? Eles não estariam presos num carro congestionado por tanto tempo… Chaya estava feliz mas receosa… Ela abriu a bolsa… Serviu umas bolachas e um pouco de água para Benny.

Prefeitura iluminada. Praça da Sé irreconhecível de tão linda… A família estava feliz mas com um pé atrás… Sempre uma pulga atrás da orelha ficava… Será que poderiam gostar de tudo o que viram? Será que era lícito, justo, se esbaldar com as Luzes?

Voltando para casa ainda passaram pelo Higienópolis. Brilhava como um diamante entalhado a ouro por mãos de fadas e duendes.

Moyse olhou pelo retrovisor. Seu olhar se demorou em Chaya. Sorriram e souberam: aquela era a Liberdade. Nada mais importava. As dúvidas foram embora. Estavam juntos.

Daniel, Benny e d. Rivka dormiam…

Sonhavam…

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
www.andrenaves.com
Instagram: @andrenaves.def

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