Fígaro!!!
Flanar me faz muito bem. Caminhar assim, sem rumo, vendo as pessoas e paisagens, sentindo o Sol e o vento… As delícias do ar um pouquinho refrescante pela manhã, os cachorros conduzindo os donos, tudo é matéria-prima para minhas letras, para o meu dia e para a minha alma…
Apesar do desconhecido da trilha, ela sempre costuma desaguar no Clube. Umas voltas no Palmeiras, e já estou pronto para retornar flanando para casa. Sem rumo certo, mas com destino planejado…
Entrando por ruas e caminhos não convencionais, conversando com outros flanantes, chego em minha casa. Ou seria em mim mesmo?
Já há décadas sigo essa rotina: acordar, academia, caminhada. No início, obrigação. Hoje, prazer. É luminoso sempre que a lagarta do dever se transforma na borboleta da gostosura, passando pelo casulo da reflexão.
Seria a tradição um casulo?
Domingo à noite é dia de que?
Hoje no Palmeiras encontrei o Luiz. Quem seria ele? Eu realmente nunca mencionei antes… Ele é o dono do “meu escritório”! Na verdade, eu não trabalho lá… Ou trabalho? Foi um apelido brejeiro que o João, um amigo baiano de Copacabana, deu.
Meu escritório fica lá. Naquela mesinha de latão na calçada… Esquina da Caiubí com a Diana…
É uma pizzaria. O Luiz é fotógrafo também: além do lirismo em cada pizza, cria poesias das imagens e das luzes. Gastronomia é arte, é cultura! É para lá que vou sempre que quero trocar uma ideia e explorar a magia dos sentidos…
É que a rodela italiana, tão paulistana que parece Adoniram, não é só sabor… A beleza está em tocá-la, ouvi-la estralar em cada mordida… E o cheirinho? Ela não é uma poesia manca, formada apenas pelo sabor. Ela é arte completa, total, unindo paladar, olfato, tato, audição e visão… É como se fosse uma ópera dos sentidos!
Você já experimentou um Tournedos Rossini? Apesar do nome afrescalhado, o prato é um bife com molho madeira e um crocante. É um típico exemplo de como a gastronomia da gente coloca uma roupa nova e entra nos guias Michellin…
Rossini era um italiano que viveu na França por um bom tempo. Dizem que morreu por lá… Natural que suas invenções culinárias tivessem algo do sabor gaulês…
Quando as calças ainda me eram curtas e a chupeta acabara de me abandonar, eu adorava o desenho do Pica-Pau. Aliás, acho que muita gente da minha geração vai sorrir agora lembrando dele cantando Fígaro enquanto modelava a massa…
“Fígaro, Fígaro, Fííígaro!” Acho que em vários episódios, nas mais diferentes situações, estava lá o Pica-Pau cantando Fígaro… Quase um sinônimo de ópera, Fígaro é um trechinho musical tão popular que parece até saído da rua…
Talvez seja fácil de explicar. Seu compositor, o gordinho Rossini, era um bon vivant raro. Colocava qualquer mané-vazio do Instagram no chinelo. Ele era um tipo de mistura entre Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Zeca Pagodinho…
Vivia da mesa, dos copos e da cama. Mas não pense que seus apetites eram apenas para poucos. Apreciava a expressão que emanava de sua gente: não como quem está num camarote, enquanto se sente superior, assistindo àquela farra exótica. Não! Rossini gostava é da pipoca!
Sua ópera não era achada nos salões aristocráticos, mas na boca do povo!
É por isso que Fígaro é quase a mesma coisa que ópera. Talvez alguém nunca tenha visto nada parecido, nem pisado nos teatros. Pra muita gente, é melhor tomar injeção na testa do que passar várias horas plantado numa plateia, vendo uma turma fantasiada se esgoelar…
No entanto, uma palavra sempre é conhecida… Fígaro! SEMPRE! Eu aposto que se a gente sortear qualquer um em São Paulo, e pedir para ele cantar uma ópera, ele vai fazer uma voz grave e gritar: Fígaro!
Qualquer pessoa! Fígaro é Democracia!