Chorão

Chorão

            – Choro mesmo. E daí? Sou chorão… Não sei, Mauro… Às vezes, quase sempre, a emoção vem chegando pé ante pé, e quando eu percebo, já tô com aquele nó nos gargomilo… Ainda tento segurar… Mas cadê que eu consigo? Quando eu dô por mim, as lágrimas já tão descendo…

            – Um café, então?

            – Depois do concerto.

***

Teve uma quinta, já tem uns anos, que a Ana Rosa e eu fomos até a Sala São Paulo. A gente até que vai bastante lá, mas na quinta era novidade. É que tinha um concerto especial do Antônio Menezes que a gente queria muito assistir.

É curioso… A gente conhece bem lá, mas como raramente vamos numa quinta, tudo parecia novo. Aquela timidez que agarra os movimentos na lama constrangedora atacava. Tudo era novidade! Nem andar, acho que eu sabia…

Respeito pela imponência!

Tem uma lojinha lá, é tipo uma livraria que vende discos e obras de arte. Coisa boa! Do lado, vendem uns cafés, salgados e doces… Olhei para um tal de bolo sonho, todo natureba mas delicioso, na vitrine.

Entretanto, atendo ao canto sedutor, como sempre, dos livros…

Comecei a me perder na literatura russa… A Ana me mostrava umas novas traduções… Dostoiévski, Tolstói, Búlgakov… Folheei uma edição de Stalingrado, do Vassilii Grossman…

A guerra é o que a Humanidade produz de pior… Mas até nela as Artes encontram inspiração para a Beleza… Sabe a flora que brota no excremento? A rosa que rompe o asfalto, diria Carlos Drummond…

De repente ela cochichou: “Aquele não é seu amigo? O Mauro?”

Olhei pro lado. Lá na parte dos discos ele estava observando um vinil dos Saltimbancos… Camisa de abotoaduras, paletó acinzentado, aquela cabeleira branca e uma bengala escura… Um dândi!

Fomos até lá…

***

O violoncelo do Antônio descansou… Concerto que terminou…

– Vamos encontrar o Mauro pro nosso café? Quem tem tempo, tem paz, tem vida… Tem entendimento!

Andamos pela Sala procurando, vendo os tipos, elogiando e caçoando… A gente é gente! Desembocamos na lojinha. Era hora do meu bolo sonho e do nosso café! Mauro estava olhando, meditando com um livro na mão… Será que era Camões?

A bengala repousava equilibrada na cadeira do lado…

– Oi Mauro. E aquele cafezinho? Vamos?

– André, Ana, aquele não é o Antônio Menezes?

– Bora que eu boro. Bora?

***

E não é que era mesmo? Antônio foi bem simpático. Acho que não é todo dia que as plateias fleumáticas descem do salto para tietar seus ídolos… Ele chamou a gente pra sentar com ele. Gesticulei, convidando o Mauro e a Ana que tinham ficado fofocando na outra mesa.

Chegaram igual um pé de vento.

Eu sou tímido, é verdade, mas sou cara de pau! Acho que é um exercício de humildade radical a que eu me forço sempre. Um ídolo precisa saber que me inspira, que é um exemplo para mim! Tenho pra meus botões que é uma obrigação expressar que sou fã!

Fui comprar os cafés. Perguntei se alguém queria algo a mais. Era uma artimanha pra evitar o constrangimento quando eu aparecesse com 4 cafés e só 1 fatia de bolo-sonho…

Quando eu voltei da compra, eles já tavam rindo. O Mauro contava, e a Ana Rosa confirmava, a historinha de antes do concerto. No fim, já tavam explicando que eu era muito chorão! Até em comercial da Coca, as lágrimas enchiam meus olhos!

O Antônio, então, contou uma historinha…

Quando ele dividiu o palco com Itzak Perlmanpara tocarem o tema da Lista de Schindler, ninguém segurou o choro. Tinha gente lacrimejando por pensar naquele terror terreno, mas teve gente que, mesmo sem saber de nada, chorava também… Era a Arte-Emoção!

Na hora dos aplausos, a plateia se calou. Respeito corajoso do silêncio. Quase 1 minuto, e nada… Ninguém, parecia até, queria aplaudir tamanha Beleza que só nasceu por causa de tanta dor, tanto sofrimento… Ninguém… Todos tocados…

A orquestra então, primeiro um, depois outro e mais outros tantos, começou a sapatear… E a plateia foi atrás… Aplausos, choro, emoção…

E ele concluiu: a gente pode tocar com perfeição, mas se a gente não enxerga as notas com o coração, a música não alumbra! Tinha que ser o Itzak para tocar o Schindler…

Ele que faz rir, faz emocionar!

André Naves

Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.

Conselheiro do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.

www.andrenaves.com

Instagram: @andrenaves.def

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