Anjos! Anjos!

Anjos! Anjos!

Dia desses eu tava no metrô. Linha verde. Indo pra Defensoria. Eu adoro andar de metrô: prefiro me deslocar nele que em carros. Vou vendo o povo. É ali, entre as pessoas, que a vida acontece de verdade. Sem filtros. Sem roteiros. Só gente sendo gente.

É lá que minha forma de enxergar a gente brasileira mudou. Já faz mais de 20 anos… Quase 30… Meu acidente tinha pouco mais de 1 ano. Estação da Sé lotada. 18:00. Lata de sardinha. Eu mal conseguia me mexer. De repente, uma mão desconhecida… “Vem comigo!” Ela me colocou sentadinho dentro do vagão e sumiu.

Desde então só observo… Tanta gente honesta, trabalhadora, dedicada, disciplinada… Sabe aquele silêncio que fala alto? Aquele em que você sente a respiração coletiva? O pulso de histórias acontecendo? É isso que eu enxergo lá.

Eu sei! A gente liga a TV e só vê bandalheira! Desanima, né? Mas o Brasil não é isso. Pra cada malandro deve ter mais de mil corretos. Tem o cobrador de ônibus que conhece o nome de cada passageiro. Tem a faxineira que chega antes do amanhecer. Tem a avó que toma conta dos netinhos enquanto os filhos trabalham.

Anjos que não sabem que são anjos. Ou talvez saibam, sim. Quem sabe? Não acredita? Pensa nos seus conhecidos…

Mas “vamo” voltar. Desculpe o desabafo… Quase que a gente sai do trilho… Lá, sempre tem uns 2 ou 3 lendo. Tento ver que livros são. Talvez, não é? Meu sonho? Algum dia ver alguém me lendo…

Eu sempre carrego meu livro, mas quase não leio: fico ali, só de orelha em pé, “bisoiando”…

É que quando vejo alguém com um livro na mão, sinto aquela coisa… Aquela imaginação de que há outras pessoas também buscando um mundo novo e melhor… Aquela segurança de que não estamos sozinhos nessa fome de sentido.

Tava perto das Clínicas, eu acho. Abriram as portas. Entrou avô levando neto pra passear. Contava uma historinha. Fiquei ouvindo. Parece que eu já ouvi isso antes… Sorri. Era a memória chegando.

Saudades. Aquela saudade que nunca é tristeza, sabe? É aquela que aquece. Que te diz que você viveu de verdade. Que aquilo importou. Que ainda importa. Eram as charretes no Mercadão de Jacareí… O som dos cascos no asfalto… O cheiro de curral… O gosto da paçoca… Jacareí…

Antes do metrô, eu andei muito de charrete. 40 anos… Eu era um menininho! Jacareí… Seu Teófi já conhecia a gente. Moreno, quase negro… Barba branca e grande… Ia charreteando e contando os causos dos “antigo”… Era uma mais legal que a outra…

Ele contava, igualzinho o avô das Clínicas, uma historinha dos anjos. Eu sempre pensava no “Santo Anjo” que eu rezava com a minha mãe toda noite. Aquela reza que o coração  conhece de cor. Minha mãe rezava sempre comigo. Sempre! Hábito que virou minha respiração. Até hoje. Sempre. Até hoje eu rezo sempre.

Anjos… Como diria meu amigo Jacques, “no los creo, pero que los hay, los hay…” Eu acredito sim. E sabe por quê? Porque vi. Porque senti. Porque uma mão desconhecida em uma estação lotada é prova de que há algo além do que a razão consegue explicar. Há Alguém olhando. Há Alguém cuidando. Gosto de falar. Eu creio em Anjos!

Mas o seu Teófi ia falando dos anjos que a gente recebe em casa.

Sempre que eu ranheteava com meus pais, bagunçava, não era um bom menino, eu tava convidando um anjo rebelde… Não que ele fosse maldoso, pelo contrário, era bonzinho! É só que gostava duma confusão, duma algazarra! E como é legal bagunçar de vez em quando! Nesses dias, num dava tempo nem de lanchar!

Mas quando o obediente era eu, quando eu organizava tudinho, ajudava, não brigava, era como se eu chamasse um anjo bom para me guardar, me zelar e me iluminar. E ele vinha sempre! E você sabe quando ele chega. Escuta!

Pão de queijo, bolo de fubá, café, leite e meu amiguinho, o Anjo!

Os anos passaram… 40 anos depois e eu ouvindo a mesma história… Agora não é charrete, é metrô. Agora não é o seu Teófi, é um avó anônimo…

Mas… Sabe os anjos?

O vagão, as ruas, os pontos de ônibus, o Mundo… Eles estão por aí!

São aquela música que não se ouve, mas se escuta… São aquela Luz que não se vê, mas se enxerga…

Prest´enção!

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais e Inclusão Social. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
www.andrenaves.com | Instagram: @andrenaves.def

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


*