Mana…
– Alô, Mana… Oi…
– Oi! Como vai?
– Muitíssimo obrigado por me atender.
– Para! É um prazer atender, ainda mais quando é artista…
– Artista? Eu nem saí da casca do ovo ainda… Estou na Faculdade de Direito… Minha vida é outra…
– Artista sim. Daqui uns anos amadurece essa fruta. Aliás, por qual porta você entrou nas Arcadas? Você nunca escreveu nada? Pintou? Desenhou? Interpretou?
– Como você sabe disso?
– Ele me contou… Na verdade nem sei se foi Ele, Ela ou uma Poesia…
– Quem?
– Ele. O Altíssimo. O Criador. O Grande Arquiteto do Universo.
– Como assim?
– Vamos deixar simples? Foi um Sabiá que me contou. Só que esse aí lembrava muito o Rebe…
– Lubavitch?????
– Era meio uma mistura dele com o Frei Damião… Estou confusa… Já faz tempo que vim pra cá. Amanhã eu volto.
– Como cê sabe?
– Sabe a Irmã Dulce? Ela me contou…
– Mana do céu! Eu nem conhecia esse seu lado…
– Que lado?
– Religioso. Nunca imaginei…
– Nem eu… Na verdade eu sempre fui, mas não tenho religião. Acho que continuo assim. Quando você voltar vai entender.
– Voltar?
– É… Uns 45 dias…
– Ué… Não tô entendendo!
– O Tempo é diferente. Uma vez o Raoni me contou a história de um curumim doido para pegar o saci. Ele jogava a peneira naquele redemoinho de vento e poeira, mas nunca acertava. O vento dançava, desenhava com a terra… Pegar o saci era impossível! O curumim se mordia de inveja… Queria morar no vento igual o saci! Entender o tempo é igual a caçar saci: não dá!
– Ou dá… Com a peneira do lirismo… O Aldir fala disso!
– Artista, não falei? Quer teimar com o Sabe Tudo? Ele apareceu para você também?
– O Rebe?
– O Aldir…
– Não. É que lembrei de uma música dele. As memórias sempre pegam a gente de calça curta… Marejam os olhos, dão nó nos gargomilo, encantam a alma… Mas, Mana… Você me falou de voltar…
– Então ele ainda vai aparecer e te explicar tudo. O que eu sei é que os médicos falaram para meus pais que eu ia embora, mas eles se esqueceram do imponderável. Sabe a música do Chico? Então, tô voltando… Vou voltar para a minha Pasárgada… Nessa hora os médicos devem estar com sua mãe…
– E aí?
– Vão falar que você nunca mais voltará para o colo do lar. Mas você voltará. Depois, falarão que a paralisia vai fazer acampamento no seu corpo… Nada. Depois, ainda, vão falar que os passos nunca mais estariam com você. Bobagem! Por fim, que as trevas dominariam seus olhos… Engano…
– Então eles são errados?
– Claro que não! Mas o milagre é um monumento que serve pra gente lembrar que não é o Sabe Tudo. HU-MIL-DA-DE!
– Então eu vou voltar? Igual a você?
– Isso! Não é bem igual, né… Cada um tem sua vida né? Seu caminho… Eu volto e vou reciclar… Mudar é a joia humana! Vou ensinar quem não pode essa preciosidade!
– Ele também muda sempre?
– Nada é mais precioso que Ele! É uma metamorfose ambulante, diria Raul…
– E eu?
– Ele vai te contar melhor, ainda… O que sei é que você volta! Com certeza! No fim, quem faz sua trilha é você. Ele sempre fala que as bençãos são como a chuva: descem para todo mundo. Mas também são igual uma plantação de goiaba: só cultivando, cuidando, servido, as bençãos perfumam e dão doce!
– O Rebe gostava de goiaba?
– Não sei. Devia gostar! É goiaba, né…
– Mas ele falava isso?
– Claro que não! Mas a sabedoria é tipo uma joia: a gente tem de fazer de acordo com o barro do mundo. Se não, ela voa como o álcool evaporando… Num segundinho, nem cheiro dela…
– Então, a gente se esbarra por lá…
– Lembre-se disso: ARTISTA!
– Artista?
– Tchau!
André Naves
Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural.