Terra da Tempestade
A tempestade que se abateu sobre o Estado de São Paulo na tarde de segunda-feira, 22 de setembro de 2025, foi mais um dentre os inúmeros alertas que cientistas e ativistas vêm fazendo há décadas.
Na capital, as rajadas de vento que alcançaram cerca de 100 km/h não derrubaram apenas árvores; derrubaram a nossa falsa sensação de segurança, esfacelando carros e expondo a fragilidade de nossa infraestrutura.
A escuridão que ainda persiste em muitos lares é um pequeno símbolo do apagão de planejamento e da nossa desconexão com o ambiente.
No interior, a imagem da fábrica da Toyota em Porto Feliz, com seu galpão destelhado e estruturas metálicas retorcidas por ventos de até 95 km/h, é assustadora.
A interrupção da produção e a decretação de estado de emergência na cidade mostram como a crise climática é também uma crise econômica e social, com impactos diretos na vida de milhares de pessoas, como os dez funcionários que sofreram ferimentos.
São Paulo deixou de ser a “terra da garoa” para se tornar a “terra da tempestade”. Aceitar essa nova realidade é o primeiro passo. A negação não nos protegerá da próxima ventania. A adaptação é o caminho inadiável para o agora. Isso significa repensar nossas cidades:
- Infraestrutura Resiliente: Precisamos de sistemas de drenagem que suportem chuvas torrenciais, redes elétricas subterrâneas ou mais protegidas e construções que considerem a força crescente dos ventos.
- Cidades-Esponja: É preciso investir em mais áreas verdes, parques e solos permeáveis que possam absorver o excesso de água, em vez de apenas canalizá-lo para a destruição.
Este desastre externo expõe uma crise de valores interna. A tempestade nos força a olhar para o que é verdadeiramente essencial. A crítica ao consumismo, ao produtivismo e à ostentação deve ser o cerne da questão. A busca incessante por mais, potencializada por redes sociais que vendem uma felicidade de vitrine, nos aliena uns dos outros e do planeta que habitamos.
A “retomada da consciência crítica” é o antídoto. É o despertar para o “bem-viver” – um conceito que nos convida a buscar uma vida mais simples, conectada e com propósito, onde o ter cede lugar ao ser. O consumo consciente não é apenas sobre escolher produtos sustentáveis, mas sobre questionar a própria necessidade de consumir.
Em meio ao caos, há aqueles cuja luta é ainda mais dolorosa. Dentre todos os grupos populacionais vulnerabilizados, que sofrem essa tragédia de maneira mais aviltante, as pessoas com deficiência enfrentam um terror particular.
- Mobilidade Acorrentada: Como evacuar um prédio sem elevadores? Como navegar por ruas repletas de escombros, galhos e fios caídos com uma cadeira de rodas ou com baixa visão?
- A Perda do Essencial: A falta de energia significa a perda de medicamentos que necessitam de refrigeração. Significa o silêncio de equipamentos vitais para a respiração ou comunicação. Significa a interrupção de cuidados que dependem de tecnologia.
- O Peso Emocional: Além do dano material, há o impacto moral avassalador. A angústia é amplificada pelo sentimento de abandono e pela quebra de rotinas que são, muitas vezes, a âncora da estabilidade emocional e psicológica.
Esta tragédia precisa servir de lição. Os planos de emergência e as políticas de adaptação urbana não podem mais ignorar as necessidades específicas desse grupo. A inclusão, aqui, é sinônimo de sobrevivência.
A Esperança reside exatamente na capacidade que temos de transformar a dor em ação. Que o som desta tempestade ecoe em nós não como um ruído de destruição, mas como um chamado para construirmos, juntos, uma sociedade onde a resiliência não esteja apenas no concreto, mas, acima de tudo, na solidariedade e no cuidado mútuo.
O som da Esperança precisa, de fato, permanecer ecoando para inspirar esse novo caminho.
André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
Conselheiro do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
www.andrenaves.com