Dia: 21 de abril de 2025

Sarney, o herói da Democracia!

24 de abril de 1987: a festa do meu aniversário começava com o tema dos Smurfs. Era o meu aniversário de 6 anos.

Lembro-me de ser perguntado sobre qual eu gostaria que fosse o tema da festa. Respondi de pronto: quero uma festa do Sarney! Eu já me imaginava de terninho, cabelos bem penteados com gel, bigodinho falso e faixa presidencial de papel crepom verde e amarela. Imaginem só eu recebendo os convidados falando, com sotaque maranhense “Brasileeeiros e brasileeeiras”?

Meus pais já conheciam das minhas excentricidades… Nunca tive festa de Sarney nenhum. Pelo contrário. Foi dos Smurfs, e eu que ficasse feliz. Ainda bem que eu adorava o papai Smurf!

O mesmo dia 24 de abril de 1987, eu nem imaginava, era a data do aniversário do meu ídolo, José Sarney. Na época, sua popularidade já estava arranhada pelos desdobramentos político-sociais do Plano Cruzado, mas eu não tinha nem ideia disso.

Na verdade, pra mim, ele era o Sarney, presidente da República, de liderança, habilidade e cultura invejáveis. Fora o meu pai, era o homem mais inteligente do Brasil, pensava eu. Só podia ser! A gente não escolhe qualquer um para ser Presidente, imaginava eu na minha inocência infantil…

Fui crescendo, estudando, e percebendo que minha admiração era uma intuição da realidade. Na verdade, a importância do Sarney foi muito maior do que eu poderia imaginar. Àquela altura, na faculdade, ele era um tipo de Geni: parecia que tudo de errado que dava no Brasil vinha dele. Quando perguntavam quem tinha sido o melhor presidente do Brasil eu, envergonhado e com medo das críticas, preferia silenciar.

FHC ou Lula? A turma, na época só costumava se dividir entre esses dois. Eu tinha um amigo, verdade seja dita, que contra tudo e todos, defendia o Collor. Como ele também falava bem da Erundina, ninguém nunca levava ele muito a sério… Passado um tempo, parecia que a escolha de quem teria sido o melhor havia se sedimentado em três opções, FHC, Lula e Temer… Um tempinho depois, um bando de aloprados tentou me convencer até do Bolsonaro!

Curioso, perguntava eu para meus botões, é que ninguém fala do Sarney… Nelson Rodrigues e o eterno complexo de vira-latas do brasileiro talvez expliquem… Talvez a traumática morte de Tancredo Neves, que gerou uma ilusão idealista que contrastava com a realidade pragmática do governo, deixou uma sombra indelével sobre o Sarney…

Com a morte de Tancredo, as cadelas no cio do autoritarismo, fizeram de tudo para impedir a redemocratização brasileira. Se essas cadelas continuavam no cio por volta de 2020, imaginem só como estavam em 1985? Esses setores sociais, sempre de alguma forma privilegiados, queriam obstaculizar diversas conquistas sociais que viriam no bojo da Constituição Democrática de 1988. Queriam manter grandes parcelas populares presas nas masmorras da miséria.

Conquistas, como a promoção dos Direitos Humanos, a Inclusão Social, os direitos e garantias ao povo trabalhador e as diversas expressões da Proteção Social, que vinham sendo construídas politicamente (e continuam sendo nos dias de hoje) corriam riscos imensos de serem novamente bloqueadas. Vale lembrar que por Democracia entende-se a vontade da maioria, que respeita a dignidade dos grupos minorizados, sempre buscando a concretização ampliadora dos Direitos Humanos.

Ou seja, Democracia não é somente o direito de votar e ser votado. Ela é muito mais que isso: diz respeito à própria viabilidade social, individual e coletiva! Por isso que tentativas de golpe ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito não podem ser anistiadas: é que elas têm por objetivo excluir parcelas significativas da população, e aprisioná-las com os grilhões da carestia e da iniquidade.

Naquele clima de barata voa da morte do Tancredo, o presidente Sarney não se acovardou! Garantiu e matou no peito qualquer tentativa de retrocesso autoritário. Garantiu a redemocratização, garantiu os Direitos Humanos, garantiu a possibilidade de Inclusão Social. Foi ele que, com faro e pragmatismo político, conseguiu forjar um arco de alianças capaz de isolar os setores sociais mais autoritários e de assegurar o processo de redemocratização brasileira.

Acredito que, para muitos, foi muito aquém do ideal. Mas eu penso que a Inclusão Social e os Direitos Humanos são construções coletivas, feitas no dia-a-dia, por todos nós. Nesse sentido, o Presidente Sarney soube navegar os revoltos mares políticos para conquistar, não uma perfeição ideal, mas uma possibilidade real que possa ser, diariamente, trabalhada, ampliada e melhorada por todos nós!

Eu não sei se algum dia o Presidente Sarney vai chegar a ler, ou ter conhecimento, desse texto. Entretanto, eu adoraria agradecê-lo efusivamente por ter sido, e continuar sendo, um grande herói, e artífice, da Democracia brasileira.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

www.andrenaves.com 

Instagram: @andrenaves.def

Papa Francisco – O Serviço pela Escuta

Desde o início de seu pontificado, Papa Francisco apresentou ao mundo uma nova forma de liderança espiritual: humilde, próxima, profundamente humana. Longe da ostentação e da rigidez institucional, seu modo de atuar é marcado por uma virtude revolucionária na prática e no simbolismo: a escuta. Em vez de se posicionar como aquele que detém todas as respostas, Francisco escolheu o caminho da atenção sensível ao outro, reconhecendo que o verdadeiro ensinamento nasce do encontro sincero com as dores, as alegrias e as esperanças do próximo, especialmente dos marginalizados, na construção coletiva de caminhos de justiça e inclusão. Essa postura não é apenas um método de comunicação, mas uma teologia encarnada, que reconhece a dignidade e o protagonismo dos excluídos como centrais para a transformação social.

Francisco não ensina por imposição, mas por convivência. Sua escuta é ativa, comprometida, visceral. Ele não ouve apenas para responder, mas para compreender, para se deixar tocar e transformar. Essa postura é fruto de uma trajetória forjada nas margens de Buenos Aires, nas “franjas” da sociedade, onde conviveu com o sofrimento humano em sua forma mais dramática. Lá, aprendeu que a realidade social pode ser cruelmente excludente e amarga – e que qualquer transformação verdadeira só nasce quando se parte do concreto, da experiência vivida, do clamor dos invisibilizados.

“Sujando os pés no barro da realidade”, percebeu que a justiça não se decreta – ela se constrói a partir da escuta das vozes silenciadas. Em encontros com comunidades faveladas, refugiados ou indígenas, ele não chega com soluções prontas, mas pergunta: “O que vocês precisam? Como a Igreja pode caminhar ao seu lado?”. Essa disposição de aprender com o outro desmonta hierarquias e permite que a mensagem cristã frutifique em respostas concretas, como políticas de inclusão ou denúncias contra a economia que mata (cf. *Evangelii Gaudium*). 

O Papa caminha com os pobres não para lhes ensinar a salvação, mas para, junto deles, encontrar caminhos de justiça e libertação. Sua missão é a de servir, e seu serviço é a inclusão. Ao ouvir os excluídos, Francisco reconhece neles não apenas destinatários de ajuda, mas sujeitos plenos, dotados de voz, saber e dignidade. Sua escuta é, portanto, um ato profundamente político e espiritual: é a ferramenta por meio da qual constrói, coletivamente, uma cultura do encontro, que valoriza o protagonismo de cada pessoa e comunidade.

As viagens pastorais de Francisco são ilustrações poderosas dessa escolha radical. Longe dos palácios vaticanos, ele prefere as favelas, os campos de refugiados, os hospitais, os presídios. Não teme sujar sua batina com o barro das vielas – ao contrário, ele busca essas marcas como símbolos de um sacerdócio encarnado na realidade. Em sua visita à comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, sintetizou essa postura de forma singela e profundamente significativa: “basta colocar água no feijão”. Com essa frase, ele exaltou o verdadeiro “jeitinho brasileiro” – a solidariedade – como expressão de esperança e partilha em meio às dificuldades.

Essa prática pastoral encontra eco e coerência no pensamento teológico de Francisco. Suas encíclicas – entre as quais se destacam Laudato Si’, Fratelli Tutti e Evangelii Gaudium – são verdadeiros tratados sobre os desafios contemporâneos. Nelas, ele reflete sobre o cuidado com o meio ambiente, a centralidade do trabalho, a importância da saúde mental e emocional, a urgência de políticas inclusivas e a necessidade de um novo pacto social baseado na fraternidade universal. Mas mesmo nesses escritos, o tom não é de quem dita verdades absolutas: é de quem convida ao diálogo, à escuta mútua, à construção coletiva.

O serviço pela escuta, promovido por Papa Francisco, é, portanto, um chamado à conversão das consciências. Trata-se de um modelo de liderança que não se sustenta na força do poder, mas na força do amor. Um amor que se traduz em escuta verdadeira, em presença concreta, em ação comprometida com a justiça e com a dignidade de todos – especialmente dos mais esquecidos. O Papa não aponta o caminho: caminha junto. E, com isso, ensina que a Igreja – e o mundo – só serão verdadeiramente humanos quando forem também verdadeiramente inclusivos.

André Naves
Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University.  Comendador Cultural. Escritor e Professor.

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Instagram: @andrenaves.def